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Bolsonaro e a cloroquina: um crime com muitos cúmplices

Para vender a cloroquina como cura, Bolsonaro contou com a participação de uma vasta rede de negacionistas
Bolsonaro e a cloroquina: um crime com muitos cúmplices

Foto: Agência PT

Quando Jair Bolsonaro for julgado pelo crime de provocar centenas de milhares de mortes por Covid-19, não deverá sentar no banco dos réus sozinho. Para que a justiça seja feita, seus cúmplices precisarão estar ao seu lado. E eles são muitos, incluindo médicos, cientistas, políticos, militares, empresários, líderes religiosos e youtubers que o ajudaram a “vender” a cloroquina, peça-chave em sua campanha para implementar a imunidade de rebanho por contaminação no Brasil.

Em um estudo intitulado A aliança da hidroxicloroquina: como líderes de extrema direita e pregadores da ciência alternativa se reuniram para promover uma droga milagrosa, o cientista político Guilherme Casarões e o professor de relações internacionais David Magalhães observam que a promoção da hidroxicloroquina serviu a Donald Trump e Jair Bolsonaro como uma forma de “populismo médico”, que só se tornou viável graças a uma “rede de ciência alternativa”. Essa rede, descrevem, é formada por “supostos buscadores da verdade que defendem publicamente suas convicções científicas em uma encruzilhada entre evidências parciais, pseudociência e teorias da conspiração”.

Assim, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, muito rapidamente, pessoas das mais diversas áreas já alinhadas ao perfil ultraconservador de Trump e Bolsonaro rapidamente se tornaram promotores da cloroquina, usando do status que ocupam na sociedade para difundir a ideia de que a droga poderia curar ou prevenir a Covid-19. Em seu levantamento, os dois especialistas identificaram que esse tipo de ação começou já em março de 2020, quando a pandemia chegava ao país.

Naquele mês, uma vasta rede de figuras públicas apoiadoras de Bolsonaro se formou em volta da promoção da hidroxicloroquina. Rapidamente passaram a circular entre os bolsonaristas um texto assinado pelo diretor do Instituto Mises, Helio Beltrão, e uma entrevista que o virologistas Paolo Zanotto deu a um site de extrema-direita, ambos defendendo o uso da droga contra a Covid. “Se a cloroquina fosse chamada de remédio do Lula, seria um sucesso”, dizia irresponsavelmente Zanotto.

O infectologista é um dos apontados como integrante do gabinete paralelo que Bolsonaro montou para implementar a estratégia da imunidade de rebanho. Foi Zanotto que sugeriu a criação de um “gabinete das sombras” em reunião com Bolsonaro, da qual participaram outros notórios cúmplices, como a médica Nise Yamaguchi e o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS).

Médicos e militares
No caso específico do Brasil, a adesão acovardada de entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e de membros do alto escalão das Forças Armadas ajudaram Bolsonaro a espalhar a mentira da cloroquina. No caso do CFM, certamente ficará marcado como um dos momentos mais vergonhosos da entidade a aprovação, em abril de 2020, de parecer autorizando médicos a prescrever a hidroxicloroquina para pacientes diagnosticados com Covid-19. Antes de ser divulgado, o documento, até hoje criticado por especialistas, foi mostrado a Bolsonaro.

Já o Exército Brasileiro certamente terá de explicar à história a adesão ao projeto assassino de Bolsonaro. Primeiro, a Força permitiu que um general da ativa, Eduardo Pazuello, se tornasse ministro da Saúde apenas para assinar um protocolo para ampliar a recomendação do uso da cloroquina por pacientes com Covid-19. A droga sem eficácia chegou, ainda, a ser incluída no aplicativo oficial Trate-Cov durante a gestão do militar, fato investigado pelo Ministério Público.

Além disso, o Exército concordou em produzir milhares de doses da cloroquina em seus laboratórios. E fez isso com insumos comprados por um preço 167% maior. Ao explicar ao Tribunal de Contas da União (TCU) por que pagou um valor tão alto, o Exército deu uma justificativa que acabou sendo uma verdadeira confissão de culpa pela adesnao à estratégia da imunidade de rebanho. A compra se justificava pela necessidade de “produzir esperança para corações aflitos”.

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