Há várias frentes em operação para restabelecer a justiça nas Terras Indígenas (TI) yanomami localizadas em Roraima. O governo federal juntou equipes que resgatam e cuidam dos yanomami em hospitais da capital, Boa Vista, ou em acampamentos médicos. Entre outros ministérios, os da Defesa, Saúde, Povos Originários, Direitos Humanos e Meio Ambiente estão em campo. Os militares também foram chamados a atuar em outra força-tarefa, para extinguir o garimpo ilegal na região. Decreto assinado na segunda-feira (30) pelo presidente Lula permite aumentar o efetivo militar nessa missão, que também contará com o apoio da Polícia Federal (PF). Já o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou à Procuradoria-Geral da República (PGR) que apure se Bolsonaro e seus auxiliares cometeram crime de genocídio e desobedeceram a decisões judiciais sobre proteção a esses povos.
Genocídio investigado
No inquérito do Supremo, foram coletados indícios de descumprimento de várias decisões da Corte relacionadas ao combate ao garimpo ilegal e à proteção dos yanomami. Entre outros ilícitos, Bolsonaro e auxiliares teriam ignorado o controle de tráfego aéreo na região, mudado operações planejadas com as Forças Armadas e permitido a retirada de 29 aeronaves do garimpo ilegal que estavam em depósito após apreensão pela PF. A atuação conjunta entre governo Bolsonaro e criminosos é evidenciada, ainda, por vazamentos de operações na floresta, tanto por autoridades de alto escalão como por apadrinhados do governo em órgãos criados para proteger os povos originários e as florestas.
Os indícios foram reunidos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e pelo atual governo. No despacho, o ministro Luís Roberto Barroso afirma que os dados indicam um “quadro gravíssimo e preocupante, sugestivo de absoluta anomia (desordem) no trato da matéria, bem como da prática de múltiplos ilícitos, com a participação de altas autoridades federais”.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), não resta dúvida quanto a responsabilidade do ex-presidente sobre a calamidade vivida pelos povos originários: “a tragédia humanitária com o povo yanomami tem a digital de Jair Bolsonaro, que sempre estimulou o garimpo ilegal e abandonou os indígenas à própria sorte”.
Fim do garimpo ilegal
Com o decreto de Lula, a Aeronáutica deve cortar o tráfego de aeronaves do garimpo na região e, inclusive abater aviões que se comportem de forma hostil. Mas também haverá ações pela terra e pelos rios. E todas serão coordenadas pelo ministro da Defesa, José Múcio, que, junto com os comandantes das Forças Armadas, já coordena operações de socorro aos yanomami. O objeto da nova empreitada, segundo José Múcio, é acabar com a causa da aflição yanomami.
“A presença do garimpo ilegal é muito forte e será debelada”, prometeu o ministro, que vai contar com a força militar terrestre na identificação dos criminosos, com o apoio de barcos e vigilância de rios por parte da Marinha e com o monitoramento do espaço aéreo pela Aeronáutica. Junto com o controle da região, as forças armadas vão apoiar Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), PF e outros órgãos federais em ações de interdição de equipamentos usados pelo garimpo ilegal.
Alternativa econômica
Ministra o Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, que as equipes e ações interministeriais nas terras yanomami podem levar meses. “É uma abordagem múltipla. É de saúde pública, de restauração dos modos tradicionais de vida, recuperação dessas áreas, de desintrusão das áreas, de combate ao desmatamento e de retirada do garimpo ilegal. Essa será uma megaoperação que terá de ser feita, planejada, em várias fases”, explicou. A ministra adverte, no entanto, que uma das medidas importantes é viabilizar uma opção econômica aos que operam hoje no garimpo ilegal.
“Existe ali um contingente de quantas pessoas? 35 mil? 40 mil? Mais do que isso? Essa estatística não se tem ao certo. Essas pessoas precisarão de alternativas também. Temos que pensar em alternativas para que essas pessoas se desloquem do crime para meios legais de sobrevivência”, ponderou.
Olhos da Terra
Se cuidar dos doentes e livrar as TIs yanomami da presença do crime organizado são os primeiros passos, recuperar as águas e a terra levará mais tempo. Mas a história é aliada dos yanomami para superar o período de maior destruição de sua etnia.
Segundo cientistas, os yanomami e seus ascendentes existem há cerca de mil anos. E a mesma ciência mostra que eles são especialistas em conservação ambiental. Estudo da organização MapBiomas, feito com base em imagens de satélites e dados de inteligência artificial entre 1985 a 2020, revelou que as áreas mais preservadas do Brasil foram as terras indígenas. No caso dos yanomami, é um compromisso ancestral. Sua cultura é baseada na crença de que a floresta (urihi) é um presente da entidade yanomami (Omama) para os seres humanos. Um prenúncio de cuidado, também sintetizado pelo líder Davi Kopenawa, para quem a missão desse povo é “ficar de olho na nossa terra-planeta”.