Assédio institucional é o conjunto de práticas empregadas pelo governo para desmontar o serviço público. E não diz respeito apenas a quem o sofre, mas a todas as atividades públicas afetadas e à sociedade. A avaliação é do economista José Celso Cardoso Júnior, presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea (Afipea) e um dos organizadores do livro “Assédio Institucional no Brasil”, lançado no início do mês.
O tema foi debatido em audiência pública nesta segunda-feira (23) na Comissão de Direitos Humanos (CDH). E um antídoto foi sugerido pelos participantes: a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC 27/2021) que torna instituições permanentes de Estado os órgãos responsáveis pela produção de estatísticas nacionais e de avaliações das políticas públicas.
Além de dar autonomia a esses órgãos, o texto define a forma de indicação de seus dirigentes. A bancada do PT no Senado está na lista de autores da PEC, que pode ser o primeiro passo para reorganizar o funcionamento do Estado, afetado por uma tempestade iniciada com o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, e cujo poder de destruição aumentou e muito a partir de 2019, como explicou o senador Paulo Paim (PT-RS), que presidiu a audiência.
“Para muitos pode dar a impressão de que o debate é sobre servidor público. Mas vai muito além. Estamos falando de quilombolas, movimento indígena, meio ambiente, de órgãos que eram abraçados pelos conselhos e pela participação social, por meio do decreto da Dilma que infelizmente foi revogado e, com festa, por Bolsonaro na comemoração dos 100 dias de seu mandato” – lembrou o senador, que prometeu mobilizar colegas para aprovar a PEC, atualmente em análise na Comissão de Constituição e Justiça.
“Bolsonaro enterrou de vez a participação popular. Na Funai, no Ibama, no ICMBio, na Capes. E onde havia conselhos criados por projetos de lei, o que aconteceu foi a paralisia, o desmonte desses espaços de participação da sociedade, que não consegue ver o que está acontecendo. Só de maneira muito pontual” – destacou a antropóloga, professora e coordenadora do Laboratório de Etnografia das Instituições e das Práticas de Poder, na Universidade de Brasília (UnB), Carla Costa Teixeira. Para piorar, afirmou ela, a internet virou um espaço de ódio e de ataques cibernéticos que muitas vezes inviabilizam debates virtuais desses órgãos.
A agressão à ciência, o desmonte de órgãos de pesquisa, a paralisia de conselhos de participação popular, tudo isso tem na origem o assédio institucional, que, segundo Roberto Muniz de Carvalho, é o que move o atual governo. “Não é uma prática isolada”, afirmou o presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Carreira de Gestão, Planejamento e Infraestrutura em Ciência e Tecnologia (SindGCT).
“Ele ataca a instituição, o conjunto daqueles que fazem com que as instituições funcionem. O principal instrumento é o medo. O medo paralisa. O servidor perde a liberdade de cumprir as suas funções. Não posso deixar de relacionar com as milícias. Elas agem com o medo. Agem onde o Estado não chega” – comparou Roberto Muniz.
As formas de assédio são as mais variadas, explicou Fabio Lima, advogado da Associação dos Servidores do Inep (Assinep), dando como exemplos a negativa de licenças, a transferência de área e a abertura de sindicâncias e processos administrativos disciplinares (PAD). Redução de orçamento e desestruturação dos órgãos são outras formas de assédio institucional, acrescentou a presidente da Associação dos Servidores do IBGE (Assibge), Dione Oliveira. Sindicatos e associações do setor chegaram a criar um “assediômetro” para contabilizar esses casos.
Judite Dutra
Antes da audiência, Paulo Paim leu voto de pesar pelo falecimento, na última sexta-feira, por complicações do diabetes, da professora Judite Dutra, casada há mais de 50 anos com o ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra. Após ler uma poesia e lembrar da convivência fraterna com Judite Dutra, Paim convidou audiência da CDH a se pôr de pé, em um minuto de silêncio. O voto será levado à Presidência do Senado.