A política de extermínio adotada por Bolsonaro contra o meio ambiente coloca em risco a saúde, a economia, a soberania e o futuro do Brasil. O crescimento de 83% dos incêndios florestais no País desde a posse deste governo deixa o mundo perplexo e ameaça a certificação verde do agronegócio brasileiro.
A reação do presidente da República — o homem que tem a caneta — não traz qualquer alento a quem precisa produzir ou mesmo respirar no Brasil: acusa as ONGs, compra briga com outros governos, demite quem divulga dados. Só não assume a responsabilidade por ter colocado em marcha o processo de desmonte da política ambiental e de ter sevado a sanha dos devastadores.
Cortes na fiscalização e prevenção
Por meio do Decreto 9.741/2019, Bolsonaro cortou R$ 187 milhões do orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA). A tesourada afetou programas e ações essenciais, como o combate ao desmatamento — a área de controle e fiscalização do Ibama que combate desmatamento ilegal, pesca predatória e garimpos clandestinos, por exemplo, perdeu 24% de seus recursos.
O orçamento total do MMA para 2019 seria de 2,8 bilhões, mas R$ 1,7 bilhão vão para pagamento de pessoal e encargos sociais. Em relação aos R$ 1,1 bilhão restantes, o corte equivale a 17% dos recursos da pasta.
Os cortes no orçamento do MMA também mutilaram a área de combate às queimadas. Só o Instituto Chico Mendes (ICMBio), que administra as áreas de preservação ambiental e parques nacionais, perdeu R$ 5,4 milhões para fiscalização e combate a incêndios.
A construção do PrevFogo, o centro de prevenção de incêndios do Ibama, teve um corte de verbas de 50%.
Incêndios e desmatamento: escalada
Não é de espantar, portanto — ainda que provoque revolta—, que entre 1º de janeiro e 18 de agosto de 2019 o Brasil tenha registrado 73 mil incêndios florestais, um aumento de 83% nas ocorrências, em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
A derrubada da mata também vem sofrendo alarmante escalada. Na Amazônia, o desmatamento cresceu 278% no último mês de julho, em comparação com o mesmo período de 2018.
Menos verde, mais incêndios
A relação entre os incêndios na Amazônia — como o que mandou cinzas para fazer anoitecer em São Paulo às três da tarde, na última segunda-feira (19) — não é mera coincidência. “As queimadas seguem o rastro do desmatamento”, ressalta a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann.
Gleisi cita uma nota técnica emitida pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), onde os cientistas explicam que as queimadas na Região Amazônica neste ano de 2019 estão relacionadas à derrubada da vegetação e não à seca, ainda que a estiagem naquela área tenha seu auge nos meses de agosto e setembro.
Atentado contra a população
Segundo o IPAM, o número de focos de calor registrados na Amazônia já é 60% mais alto do que o registrado nos últimos três anos, e o pico tem relação com o desmatamento, não com a seca. “Não há fogo natural na Amazônia”, diz o Instituto. “O que há são pessoas que praticam queimadas que podem piorar e virar incêndios”.
“Essa situação atenta contra o meio ambiente, contra a vida da população indígena e quilombola e de todas as pessoas que vivem na região Amazônica. E isso também atenta contra a produção do Brasil”, alertou Gleisi Hoffmann.
Atentado contra a economia
Como lembrou a presidenta do PT, o prejuízo causado pela política ambiental de Bolsonaro à produção pode ter efeitos catastróficos em uma economia que hoje mal cambaleia. Tudo o que um país com PIB estagnado e 13 milhões de desempregados não precisa é derrubar um dos raros setores que ainda mantêm a cabeça fora d’água: a produção agrícola e as exportações.
Citados pela revista CartaCapital, pesquisadores da UFRJ, UFMG e UnB apontam que a economia brasileira corre risco de perder R$ 5 trilhões em consequência da política ambiental de Bolsonaro.
Tiro no pé
O liberou geral dos agrotóxicos e o apoio quase escancarado às práticas predatórias do garimpo e do desmatamento ilegais ameaçam o chamado “selo verde” do agronegócio. Essa certificação, exigida por larga parte dos compradores de mercadorias brasileiras, assegura que produtos agrícolas exportados, como carne e grãos, não tenham sido cultivados sobre uma floresta virgem desmatada.
“O agronegócio vai ter que admitir que deu um tiro no pé apoiando Bolsonaro”, aponta o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE). Para ele, chegou a hora dos integrantes do setor acordarem para as consequências do discurso odioso do ocupante do Planalto contra o desenvolvimento sustentável.
“Se ceder a esse discurso irresponsável do presidente da República, o agronegócio não vai conseguir vender aos maiores mercados mundiais. Ninguém compra de um país que devasta florestas para plantar soja e criar boi. É algo inaceitável no mundo moderno e somente cabível na cabeça medieval e obscurantista de Bolsonaro”, alertou Humberto.
Bolsonarices
Enquanto o problema cresce, Bolsonaro faz bolsonarices. Após a divulgação dos dados do desmatamento pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ele mandou demitir o presidente da instituição, Ricardo Galvão. Para o ocupante do Planalto, Galvão “parecia estar a serviço de alguma ONG”. O Inpe divulga esses dados desde a década de 70 do século passado.
Confrontado com a gravidade das queimadas, o presidente sugeriu que os incêndios poderiam ser “coisa desse pessoal das ONGs” para “atingir seu governo”, provocando uma onda de indignação no mundo.
Dia do fogo
“Se Bolsonaro quiser descobrir de verdade quem está botando fogo na Amazônia, é só pegar as fotos de satélite e ver quem é o dono das terras”, cutucou o ex-presidente Lula, em entrevista à TV 247 divulgada na última quinta-feira (22).
Lula, mais uma vez, acerta na mosca. A jornalista Eliane Brun, de El País, denunciou esta semana a criação do “Dia do Fogo”, uma data macabra na qual produtores rurais incendeiam matas para “mostrar ao presidente que querem trabalhar”.
Orgia piromaníaca
A tétrica farra foi iniciada em Novo Progresso, município de 25 mil habitantes, nos limites da Floresta Nacional de Jamanxin, no Pará, no dia 10 de agosto. Com economia baseada na extração de madeira, garimpo e pecuária de corte, a cidade deu a partida no “Dia do Fogo” com 124 focos de queimadas, o recorde do ano até então. No dia seguinte, já eram 203 casos.
“Queremos mostrar ao presidente que queremos trabalhar e o único jeito é derrubando [a floresta]. E para formar e limpar nossas pastagens, é com fogo”, proclamou um dos líderes do festim piromaníaco, em entrevista ao jornal local Folha do Progresso.
Ajudinha de Moro
Segundo vídeo divulgado pela jornalista de El País, a orgia incendiária foi copiada em outros municípios, como Corumbá (MS), que registrou 180 focos de queimadas no dia 17 de agosto.
Em Novo Progresso, o fechamento da base do Ibama facilitou a vida dos queimadores de florestas e teve o auxílio luxuoso do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que retirou da cidade a Força Nacional que garantia a segurança dos fiscais.
Discurso — e prática — de ódio
O despotismo de Bolsonaro com o então presidente do INPE ou a leviandade usada para acusar as ONGs pelos incêndios não são pontos fora da curva. O “capitão motosserra” nunca escondeu o ódio que nutre pela ciência, pela natureza, pela preservação do meio ambiente e pelos povos da floresta.
Afinal, ele se elegeu prometendo que os índios não teriam “mais nem um centímetro de terra” em seu governo — e tentou entregar a demarcação das terras indígenas aos ruralistas, em seu primeiro dia de governo.
Antes de tomar posse, prometeu acabar com a “festa” do Ibama e do ICMBio que saem “multando a torto e a direito” — empossado, mandou exonerar o fiscal do Ibama que o havia multado, em 2012, por pesca ilegal na Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis (RJ).
Entre a posse de Bolsonaro, em 1º de janeiro, e o dia 22 de julho de 2019 — 203 dias no posto — o governo do capitão liberou nada menos do que 262 tipos de agrotóxicos, vários deles banidos nos quatro cantos do mundo. Para os que manifestam preocupação com o meio ambiente, o cavalheiro prescreve “fazer cocô dia sim, dia não”, para “reduzir a poluição ambiental”.
Presidente perigoso
A trajetória de Jair Bolsonaro sempre alertou que ele se tornaria “o chefe de Estado mais perigoso do mundo para o meio ambiente”, como o definiu a revista britânica The Economist — porta-voz do capitalismo desde 1843, a quem nem os mais empedernidos bolsomínions poderão chamar de “esquerdista” — em reportagem de capa publicada em 1º de agosto último.
E Bolsonaro não se fez de rogado em cumprir o que seu discurso prometia: “Desde que assumiu o cargo, ele reduziu o cumprimento das leis ambientais e promoveu a exploração econômica das reservas indígenas. Agora, seu governo está avançando com propostas para diminuir o tamanho das áreas protegidas em regiões como a Amazônia”, prosseguiu a Economist.
Soberania?
A reação do chefe do Executivo à perplexidade mundial diante da escalada de incêndios na Amazônia foi jogar mais gasolina na fieira de atritos internacionais desnecessários que caracterizam seu “diálogo” com outros chefes de Estado quando o assunto é a Amazônia.
Falando em “soberania”, Bolsonaro voltou a comprar briga com Alemanha e Noruega, cujas doações abastecem o Fundo Amazônia de combate ao desmatamento, e mirou a canela do presidente francês, Emmanuel Macron, que na última quinta-feira protestou contra as queimadas na Amazônia.
Tudo isso na semana em que a Câmara dos Deputados aprovou o acordo arquitetado por Trump e Bolsonaro para a entrega de uma parte do território brasileiro, a Base de Alcântara, aos Estados Unidos.
Nesta sexta-feira, Macron — que ontem foi chamado de “idiota” pelo aspirante a embaixador Eduardo Bolsonado nas redes sociais — sinalizou que a França não assinará o acordo Mercosul-União Europeia, fechado na reunião do G-20, em junho.
Já passou da hora do Brasil botar as barbas de molho.