Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, o posicionamento misógino do deputado estadual Arthur do Val (Podemos-SP) contra as mulheres ucranianas repercutiu negativamente no Brasil e no mundo. Uma reação em cadeia de repúdio e pedidos de punição, como a perda do mandato na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), tomaram conta do debate político, das redes sociais e da cobertura da imprensa nacional e internacional nos últimos dias. Tentando pegar carona no engajamento, Jair Bolsonaro usou o microfone do curral eleitoral, montado em frente ao Palácio da Alvorada, para condenar a fala do deputado que emergiu no mesmo movimento golpista que o atual presidente. Mas não colou. O histórico sexista de Bolsonaro é uma de suas marcas mais indeléveis. E a reação foi rápida: o senador Humberto Costa (PT-PE) logo acusou o embuste.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos no Senado, Humberto Costa advertiu que Bolsonaro tentou emplacar mais uma fake news (notícia falsa), no último domingo (6), ao dizer que a fala de Do Val é “tão asquerosa que nem merece comentário”. E lembrou que o histórico do presidente é tão ou mais repugnante que o do parlamentar ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL), ex-aliado do governo e agora apoiador de Sergio Moro.
Bolsonaro, que agora repudia as falas do seu ex-aliado Arthur do Val, já disse que uma mulher não "merecia ser estuprada porque era feia" e incentivou o turismo sexual no país "quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade". Hipocrisia que fala, né?
— Humberto Costa (@senadorhumberto) March 7, 2022
A lista de atos machistas de Bolsonaro é extensa e vem de longa data. Há pelos menos dois casos de agressão física (admitidos por ele) e inúmeros comportamentos desrespeitosos e ofensivos contra as mulheres. Da própria filha caçula, disse que foi uma “fraquejada”, referindo-se ao fato de ter tido quatro filhos homens. Em várias ocasiões, defendeu salários menores para mulheres: “Se eu fosse empresário, não empregaria uma mulher com o mesmo salário do homem”. Bolsonaro disse também: “Mulher com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade. Bonito pra caralho! Quem vai pagar a conta?”.
Os ataques constantes do presidente da República à liberdade de imprensa também têm um viés claramente misógino. Ao rebater denúncias da jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, afirmou em tom jocoso: “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”. Em outra ocasião, mandou Victoria Abel, da rádio CBN, voltar para a faculdade: “Deveria na verdade voltar para o ensino médio, depois para o jardim de infância e aí nascer de novo”. Aos gritos, em tom ameaçador, insultou Adriana de Luca, da CNN Brasil: “Pare de fazer perguntas idiotas”.
Mamãe falou, Bolsonaro fingiu que não gostou
Em viagem à Ucrânia, Mamãe Falei gravou áudios dizendo que as mulheres de lá “são fáceis porque são pobres” e que, na fila de refugiadas de guerra, só tinha “deusa”, colocando “no chinelo” a fila da “melhor balada do Brasil”. Anteriormente, Arthur do Val havia justificado a viagem ao Leste Europeu para “ajudar na resistência” à invasão russa. De volta ao Brasil, no sábado (5), afirmou que errou “em um momento de empolgação”.
A Procuradoria Especial da Mulher do Senado e a Bancada Feminina no Senado responderam com uma nota de repúdio. O texto diz que as declarações de Do Val “envergonham o Brasil e enxovalham a política”. Elas lembram que o “contexto de dor e guerra” tornam o ato mais “asqueroso”. E conclamam por uma punição rigorosa e um olhar mais responsável do Congresso para com os inúmeros projetos de interesse e de proteção às mulheres que tramitam a passos lentos.
Nesta segunda-feira (7), o senador Humberto Costa anunciou que o deputado deverá ser convocado para dar explicações. “O senhor Arthur do Val afirmou que iria para a Europa prestar apoio ao povo castigado pelos reflexos da guerra. No entanto, o que vimos foi uma declaração violenta, atentatória às mulheres de todo o mundo. E o mais grave: trata-se de um parlamentar, eleito pelo povo de São Paulo, que tem um mandato a honrar e satisfação a prestar aos seus eleitores”.
O petista também vai encaminhar uma Moção de Repúdio à Alesp pedindo a apuração dos fatos e a aplicação das sanções necessárias que, inclusive, podem culminar na cassação do mandato. Iniciativa elogiada pelo líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), que cobrou agilidade na resposta da Assembleia sobre o caso. “A fala absurda e misógina do deputado Arthur do Val não pode passar impune. A imunidade parlamentar não deve ser usada jamais como escudo”.
Até o fechamento desta matéria, 10 pedidos de cassação de mandato foram protocolados na Alesp contra Arthur Do Val. Um deles foi assinado por 17 parlamentares. Ainda nesta semana, o deputado deve começar a responder às representações contra ele no Conselho de Ética.
Tudo farinha do mesmo saco
Bolsonaro e Mamãe Falei começaram a ganhar projeção durante o golpe machista e misógino contra a presidente Dilma Rousseff. O MBL, que agora apoia Sergio Moro, foi criado na onda das manifestações de 2013, aumentou a repercussão ao apoiar o golpe e elegeu parlamentares em 2018 colados no bolsonarismo.
À época senadora, em 2016, a presidenta do PT Gleisi Hoffmann (PT-PR) fez um discurso histórico escancarando o machismo naquele processo de impeachment. “Misoginia e sentimentos machistas contra Dilma afloram e engrossaram o coro contra a presidenta. Derrubar a primeira mulher presidenta é mandar a mulher de volta para casa, de preferência para a cozinha”.
Antes de sair da Presidência, Dilma já anunciava o caráter machista do golpe. “A história ainda vai dizer quanto de violência, quanto de preconceito contra a mulher, tem nesse processo de impeachment golpista. Nós sabemos o quanto existe de misoginia, de machismo em algumas visões. Mas nós vamos reafirmar a nossa perspectiva de gênero. Nós sabemos que um dos componentes desse processo tem como base o fato de eu ser a primeira presidenta eleita pelo voto popular do Brasil. A história vai mostrar como o fato de eu ser mulher me tornou mais resiliente, mais lutadora”.