A fala do presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (9) em Miami-EUA, afirmando que houve fraude nas eleições de 2018, e que em breve apresentará evidências de que teria vencido o pleito já no primeiro turno, ocorre dois dias após ele gravar um vídeo convocando a população a participar dos atos chamados para o no dia 15 de março, em resposta às polêmicas nas redes sociais criadas com o compartilhamento que havia feito em grupo de WhatsApp.
O discurso que põe em dúvida a lisura da Justiça Eleitoral é mais um ataque frontal às instituições no Brasil. Acirra ainda mais a crise entre o Executivo e os outros dois poderes da República, e faz crescer as suspeitas de que Bolsonaro esteja aumentando o tensionamento, com vistas a um fechamento do regime.
Na semana passada, para viabilizar um acordo para a manutenção do veto que desobriga o governo de executar com prioridade os itens do orçamento incluídos por meio de emendas parlamentares, que representam, somadas, cerca de R$ 30,7 bilhões, o governo enviou três projetos de lei ao Congresso Nacional – PLNs, que regulamentam o orçamento impositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020.
No entanto, apesar de remeter formalmente os textos, Bolsonaro foi às redes sociais e negou o acordo, não se incomodando em absoluto com as contradições evidentes em suas manifestações.
Se, por um lado, não há como negar um acordo com o Congresso, diante do efetivo encaminhamento dos projetos com o texto requerido pelos parlamentares, por ele assinados e publicados no Diário oficial da União, por outro, a única consequência jurídica óbvia de uma eleição fraudada seria sua nulidade. Anuladas as eleições, ele não é presidente da República, nem são legítimos os 513 deputados federais e os 54 senadores.
Portanto, as declarações do presidente, sem qualquer sustentação lógica e totalmente incongruentes, somente apontam para o diálogo com a militância bolsonarista e seu espírito de ataque e confronto, de modo a insuflar as manifestações convocadas para o dia 15 de março.
Os pronunciamentos acontecem enquanto a economia dá péssimos sinais. A divulgação dos resultados das atividades econômicas do ano de 2019 mostraram um Produto Interno Bruto (PIB), cuja expectativa era de 2,5%, em apenas 1,1% – de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Bolsa e dólar oscilam, o desemprego continua alto, fala-se em recessão nos corredores do poder, e o país entra em estado de alerta com o coronavírus, em um contexto de cortes nas politicas de saúde.
Ocorrem, ainda, em meio às especulações dos debates de impeachment nos bastidores do Congresso Nacional e das instituições da República, ao incremento de ações policiais com viés político e às divulgações de dados que ligam o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, à rede de Fake News, com produção de conteúdos para atacar adversários.
Fora isso, há os notórios vínculos da família Bolsonaro com as milícias, que nunca são completamente explicitados
A aventura verbal de Bolsonaro testa cotidianamente os limites da tolerância das instituições, que, é preciso dizer, têm reagido de forma francamente tímida. A resposta da presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra Rosa Weber, sobre a fraude eleitoral foi tão protocolar quando as dos presidentes das casas legislativas diante das ameaças de fechamento do Congresso Nacional.
Quanto a isso, é sempre oportuno lembrar o conhecido poema do Eduardo Alves da Costa: “se não nos insurgimos contra o roubo da rosa no nosso jardim, ao final não teremos mais voz para gritar, porque já nos terá sido arrancada da garganta”.