ARTIGO

Bolsonaro queria facilitar a vida das milícias, mas Congresso não deixou

Com MP das Fake News, presidente queria 'instituir o liberou geral para sua jagunçada cibernética', aponta o senador Jean Paul
Bolsonaro queria facilitar a vida das milícias, mas Congresso não deixou

Foto: Alessandro Dantas

O terrorismo eletrônico é a principal arma da extrema-direita e tem extrapolado sua ação perniciosa para todas as esferas. Basta ver a campanha sórdida contra a saúde pública que se escora em publicidade de falsos medicamentos contra a Covid-19, no achincalhe às medidas de proteção da população e no estímulo a comportamentos temerários.

Foi com muita satisfação, portanto, que acompanhei, no Plenário do Senado, a rejeição sumária e devolução da Medida Provisória 1.068, editada por Bolsonaro para facilitar a vida dessas milícias virtuais, pretendendo proibir as redes sociais de excluírem publicações ou contas que promovam notícias falsas.

A devolução da chamada MP das Fake News, anunciada pelo presidente do Senado e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), é uma demonstração de que o Legislativo não se omite frente a essa prática inescrupulosa que tanto mal tem feito ao Brasil — outro exemplo é a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga a indústria de notícias falsas nas redes sociais, da qual sou membro titular e cuja retomada plena dos trabalhos tenho defendido com insistência.

A CPMI das Fake News foi criada para investigar ataques cibernéticos e o uso de perfis falsos para fins de calúnia na campanha eleitoral de 2018, além do chamado cyberbullying e o aliciamento de crianças e adolescentes por meio da rede mundial de computadores.

Os desdobramentos dos trabalhos da CPMI direcionaram a investigação também aos ataques a instituições — como os poderes Legislativo e Judiciário — e personalidades públicas.

A MP sumariamente rejeitada pela Mesa Diretora do Congresso Nacional é uma peça inqualificável. Um espetáculo de cinismo que catapulta o conceito de “legislar em causa própria” a um patamar que só o governo Bolsonaro poderia engendrar.

A canetada do presidente da República atropelou os requisitos formais para a edição de uma MP e até mesmo uma matéria tratando da mesma questão — mas com orientação diversa — já aprovada no Senado e, atualmente, sob análise da Câmara dos Deputados.

Mas isso não é o mais grave — embora seja importante destacar o uso indiscriminado e descomedido que Bolsonaro vem fazendo da edição de medidas provisórias.

O mais grave é mesmo o teor da casuística tentativa de Bolsonaro de instituir o “liberou geral” para sua jagunçada cibernética.

A MP das Fake News foi editada na véspera de uma movimentação bolsonarista que ameaçou atacar instituições e integrantes de Poderes. Foi a tentativa de abrir uma janela de impunidade para crimes contra honra, ameaças, incitações e estelionato—práticas que a extrema-direita desfila nas redes sociais pretendendo abrigá-las sob a fantasia de “liberdade de expressão”.

Ao comentar a “façanha”, Bolsonaro recorreu a sua contumaz desfaçatez: segundo o ocupante do planalto, fake news são algo banal, que “morre por si só, não vai pra frente”. Mas o que não foi para a frente foi sua investida imoral.

Devidamente despachada para a lata de lixo, a MP “Minha mentira, minha vida” já não pode impedir que as redes sociais retirem do ar as fraudes, a desinformação, as ameaças e as calúnias.

Como disse o senador Rodrigo Pacheco, a mera edição da malsinada MP—com eficácia imediata e rito abreviado para sua apreciação—já foi suficiente para atingir, de modo intolerável, as prerrogativas do Congresso Nacional e o ordenamento jurídico brasileiro.

Talvez seja querer demais que um Poder Executivo chefiado por Bolsonaro não se intrometa na atividade legislativa para proteger seu projeto político amparado na mentira. Mas o pé na porta foi devidamente travado pelo Legislativo. O recado foi dado.

Artigo originalmente publicado na Carta Capital

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