Os preços exorbitantes dos combustíveis inflamam até a base bolsonarista contra seu “mito”, e a ele só resta a tática de sempre: culpar os outros. Em mais uma tentativa diversionista, Jair Bolsonaro distorceu dados e disparou mentiras e afirmações duvidosas em série na live desta quinta-feira (20). A verborragia, no entanto, serviu apenas para distrair os seguidores que lhe restam das verdadeiras causas dos preços escorchantes: o desmonte do patrimônio e a dolarização dos preços da Petrobras.
“Aumentos frequentes e abusivos nos preços da gasolina estão gerando ainda mais desemprego. Mesmo com 15 milhões de desempregados, Bolsonaro insiste em atrelar o preço dos combustíveis ao dólar para seguir enriquecendo os acionistas”, apontou o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) em postagem em seu perfil no Twitter.
Colega de bancada, Leo de Brito (AC) foi além e posou para foto ao lado de uma placa com os preços cobrados em um posto no Acre. “Esse é o Brasil real, o Brasil que o Bolsonaro não mostra, em Cruzeiro do Sul-AC a gasolina já ultrapassa os 7 reais. A população tá sofrendo muito com a alta dos preços dos alimentos, do gás, da energia elétrica e combustíveis. O povo não aguenta mais”, comentou.
O “Brasil real” de Bolsonaro é outro. Nele, a gasolina “não tá cara, não”, porque o valor cobrado nas refinarias é baixo, ele “fez sua parte” com o gás de cozinha, zerando impostos federais, e os governadores são os “inimigos do povo”, por manterem as alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidentes sobre combustíveis.
A narrativa, recorrente desde o primeiro ano de desgoverno Bolsonaro, é reativada a cada vez que a explosão de preços ganha a imprensa e as redes sociais. Disseminada online, a esgrima de dados e números, falsos ou distorcidos, serve para alimentar as milícias da desinformação enquanto desvia a atenção sobre a discussão central, que é o papel estratégico da Petrobras como maior empresa pública brasileira.
Veja nos gráficos a composição do preço da gasolina, do gás liquefeito e do óleo diesel. Vejam que impostos estaduais são, em todos os casos, bem inferiores ao conjunto dos outros percentuais. No caso do gás liquefeito, a “realização da Petrobras’, ou seja, os ganhos dos acionistas, é bem superior. No caso do óleo diesel, o percentual destinado aos acionistas é maior ainda. Com isso, cai por terra o argumento de que a culpa da alta dos preços dos combustíveis é dos estados.
Lula: “Governo é fraco e incompetente”
No encontro com movimentos sociais na manhã desta sexta-feira (20), em São Luís, Luiz Inácio Lula da Silva resumiu o que vem ocorrendo com a Petrobras desde o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016.
“O aumento do preço da gasolina é falta de soberania deste país, que colocou o preço da gasolina ao preço internacional quando somos autossuficientes em petróleo. Portanto, a gasolina não deveria estar vinculada ao dólar”, argumentou.
“A gente não está importando gasolina porque precisa, está importando porque o governo é fraco, incompetente, e está destruindo a Petrobras para comprar gasolina dos Estados Unidos”, prosseguiu Lula, lamentando o descaminho que os governos do golpe impuseram ao país.
“Nós tínhamos feito da Petrobras o passaporte para o futuro deste país. 75% dos royalties do petróleo eram destinados à educação, à ciência e tecnologia e à saúde deste país. E eles já conseguiram desmontar. Já venderam gasodutos, a BR Distribuidora, estão fatiando a Petrobras”, lamentou o presidente mais popular da história do Brasil.
Na vida real, fora das redes bolsonaristas, apenas no primeiro semestre a gasolina da Petrobras subiu cerca de 51% e o diesel, 40%. Já o gás de cozinha foi reajustado seis vezes este ano, com alta acumulada de 37,8%. A parcela referente à “realização” da Petrobras é a maior na composição dos preços dos três produtos (veja gráficos).
O marco inicial dessa trajetória altista ocorreu cinco meses depois do afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Em outubro de 2016, a Petrobras, sob o comando de Pedro Parente, indicado pelo usurpador Michel Temer uma semana após ele assumir a Presidência, implementou a política de “preço de paridade de importação” (PPI).
O modelo de cálculo, que define os preços dos combustíveis vendidos nas refinarias, considera quatro elementos centrais: a variação internacional do barril do petróleo; as cotações do dólar; os custos de transporte; uma margem imposta pela companhia para evitar prejuízos com a oscilação global de preços.
Com a cotação caindo desde o golpe, o real tornou-se uma das moedas mais desvalorizadas do planeta desde a eclosão da pandemia. Somado a isso, o preço do barril de petróleo também sobe há anos. Ao final, a conta é repassada para o consumidor. Entre outubro de 2016 e março de 2021, o PPI foi responsável por aumentos nas refinarias de 54,8% no preço do diesel, 73,3% na gasolina e 192% no gás de cozinha.
Para justificar a dolarização, que beneficia os acionistas em detrimento da população, a Petrobras reafirma em comunicados que “o alinhamento dos preços ao mercado internacional é fundamental para garantir que o mercado brasileiro siga sendo suprido sem riscos de desabastecimento”.
O Tribunal de Contas da União (TCU), no entanto, anunciou no início do mês que o que representa um risco ao pleno abastecimento de todos os mercados regionais de combustíveis é a política de desinvestimentos da Petrobras. Após realizar uma auditoria sobre o tema, o órgão avaliou ainda que as vendas de ativos da estatal colocam em risco o desenvolvimento e a reorganização do mercado de refino de petróleo no país.
Povo sofre, acionistas ganham
A Petrobras registrou no segundo trimestre de 2021 lucro líquido de R$ 42,855 bilhões, e ainda este ano vai antecipar pagamento de R$ 31,6 bilhões para os acionistas. Será a maior distribuição de dividendos já feita pela empresa. Os acionistas privados, 40,6% deles estrangeiros, não pagam impostos no Brasil sobre os dividendos distribuídos a eles.
Rafael Rodrigues da Costa, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustiveis (Ineep), chama atenção para três dados do balanço da empresa: o aumento de 117,5% na receita total de vendas, em comparação ao segundo trimestre de 2020, o aumento de 123,3% da receita de vendas no mercado interno e o aumento de 106,2% na receita com exportações de petróleo.
“Além do aumento nas vendas, a receita de vendas da Petrobras também foi impulsionada pelo aumento do preço dos seus derivados no mercado interno em 102,9%. Reflexo da política de preços de paridade de importação (PPI) adotada pela estatal”, afirmou Rafael, apontando que a receita de vendas da companhia para o mercado interno saltou 123,3% no período, ficando em R$ 75,3 bilhões.
Além disso, um levantamento da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) que assessora a Federação Única dos Petroleiros (FUP) aponta que só este ano a Petrobras já registrou em caixa o equivalente a R$ 14,7 bilhões obtidos com vendas de ativos, concretizadas entre 1º de janeiro e 3 de agosto. Desse montante, R$ 11,6 bilhões foram obtidos com a privatização da BR Distribuidora.
“A maior empresa nacional, que gerava emprego e renda para o povo brasileiro, se transformou em geradora de dividendos para acionistas. É o resultado do golpe de 2016. Nós sempre alertamos que esse seria o projeto para a Petrobras pós-golpe, projeto que está sendo consolidado agora por um governo fascista. Estão seguindo o acordo de Guedes e Castelo Branco com os acionistas de Nova Iorque“, afirma o coordenador da FUP, Deyvid Bacelar.
Só no governo Bolsonaro, a gestão da Petrobrás fez cerca de 60 comunicados de privatização ao mercado, os chamados “teasers”. Também concluiu a venda de mais de 40 ativos, incluindo diversos campos de petróleo em terra e mar, termelétricas, usinas eólicas e de biodiesel, além das subsidiárias BR Distribuidora, TAG e Liquigás.
A gestão da empresa também arrendou as Fábricas de Fertilizantes Nitrogenados da Bahia e de Sergipe e fechou no ano passado a Fafen-PR, após demissão de mil trabalhadores. Além disso, privatizou recentemente a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, a primeira das nove refinarias que estão em processo de venda.
“O mercado financeiro deveria investir no setor produtivo e não em ganhos especulativos obtidos às custas de um projeto que se alimenta da fome e do desemprego do povo. Portanto, como bem disse o presidente Lula, quem estiver comprando ativos da Petrobras a preço de banana deve se preocupar, pois iremos reverter tudo isso”, prevê Bacelar.