A representatividade nos espaços de poder no Brasil tem avançado a passos lentos, mas seguros. O primeiro turno das eleições municipais apresentou mudanças na disputa, acompanhadas de perto tanto pelos movimentos sociais e pesquisadores, quanto por parlamentares.
“A sociedade brasileira deu um passo importante no reconhecimento da diversidade na política. O número de mulheres, de negros e de LGBTIs eleitos, neste ano de 2020, aumentou em comparação às eleições municipais de 2016. Estamos no caminho certo, mas ainda há muito por fazer”, enfatiza o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Paim é o único senador negro do país, e sabe o quão longo é o caminho, mas destaca os resultados positivos: “em Porto Alegre (RS), o número de mulheres vereadoras aumentou de 5 para 11, a maior representação feminina das capitais (30,5%). Em 2016, apenas 1 negro foi eleito vereador; agora, foram 5. Em São Borja, uma mulher trans foi eleita vereadora, o que ocorreu também em Rio Grande”.
As eleições deste ano tiveram a maior proporção e o maior número de candidatos negros já registrados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Exatamente 50% dos candidatos se declararam pardos ou pretos. Considerando apenas candidatos a vereador, o percentual vai para 51%.
Mas se a disputa entre os concorrentes está equilibrada, o resultado da eleição ainda não. Os candidatos brancos continuam sendo maioria entre vereadores e vereadoras eleitas. Somam quase 54% dos futuros parlamentares nas Câmaras Municipais, a partir do ano que vem. A proporção diminuiu em relação a 2016, quando 57,1% dos eleitos eram brancos.
Só que, quando comparado à população brasileira, podemos observar a baixa representatividade, ainda. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 42,7% dos brasileiros são brancos, e 56,2%, negros.
Para Patrícia Rufino, doutora em Educação e especialista em relações étnico-raciais, os números são o sinal de que as Câmaras, eleitas pela população, não são tão representativas quanto precisam ser. Especialmente quando se somam condições adversas e socialmente arraigadas, do racismo e do machismo.
“Há uma histórica condição de defasagem. Desde que foi dada a permissão para as mulheres votarem, há uma dificuldade de se aceitar que os espaços políticos sejam ocupados por mulheres, especialmente as negras. O Brasil, os partidos, precisam investir na formação política de mulheres para que elas sejam qualificadas para o debate e para a ação política. Essas mulheres que estão entrando, estão entrando em uma luta extremamente tensa de enfrentamento do machismo, do sexismo e do racismo”, analisa a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Negros somavam metade das candidaturas, mas são só 32% dos prefeitos eleitos
Boa parte dos avanços observados nos últimos anos na postulação de mulheres e negros a postos de relevo na política partiu do Judiciário. Em 2018, o TSE determinou que os partidos têm que destinar a verba de campanha eleitoral na proporção das candidaturas femininas lançadas, sempre em patamar superior a 30%.
Agora, em 2020, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar que as legendas também façam a distribuição proporcional da verba entre candidatos brancos e negros.
Em ambos os casos, o Judiciário foi instado a se manifestar por meio de ação protocolada por parlamentares. No caso da cota racial, e a equiparação do tempo de propaganda política em rádio e tevê para mulheres brancas e negras, as cortes tomaram as decisões com bases em ações protocoladas pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e por representantes de outros partidos.
Nesta eleição, pela primeira vez os candidatos pretos e pardos superaram os brancos em número. Ao todo, foram 211.895 candidatos pardos e 56.282 pretos, o equivalente a 49,9% dos postulantes, número maior que o de candidatos autodeclarados brancos (48,2%). Em 2016, foram 47,51% candidatos negros e 51,71% brancos.
Desta vez, 32% dos prefeitos eleitos no primeiro turno se declararam negros (pretos ou pardos), totalizando 1.718 vitoriosos. O número é superior a 2016, quando os negros (somando pretos e pardos) foram eleitos para comandar 29% dos municípios.
Entre os postulantes no segundo turno, eram 22 pretos e pardos em 2016, ao lado de 92 brancos. Agora, 32 negros foram para o segundo turno, ao lado de 81 brancos.
Palmas (TO) é a cidade com maior quantidade de pessoas negras eleitas: entre as 18 cadeiras, há somente uma pessoa branca. Na outra ponta, a capital com a Câmara municipal mais branca será Florianópolis. Todas as 23 cadeiras foram ocupadas por pessoas brancas.
Os números apontam que a representatividade das pessoas pretas nos cargos eletivos ainda é pequena. E quanto mais escura a pele, mais difícil ainda é o acesso aos espaços de poder.
O senador Paulo Paim lembra que estamos combatendo, no Brasil, uma desigualdade de séculos: “O racismo estrutural é secular. É necessário conhecermos a nossa história e trabalharmos para que o presente seja diferente”.
Com informações da Agência PT de Notícias