Eles foram tratados como “o passado” por Paulo Guedes em 2019, enquanto o ministro-mascate de Jair Bolsonaro lutava com unhas e dentes pela reforma da Previdência. Com carta branca do chefe, ele ameaçou renunciar em caso de “reforminha”, falsificou dados e por isso foi chamado de mentiroso pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). Mas conseguiu o que queriam. Hoje, Bolsonaro e Guedes podem se comprazer em ter feito do Brasil o segundo pior país do mundo para aposentados e pensionistas.
O ranking global foi divulgado em setembro pela Natixis Investiment Managers. A corretora norte-americana analisou os impactos da saúde, finanças, qualidade de vida e bem-estar material no cotidiano de quem já deixou o mercado de trabalho. Dentre os 44 países analisados, o Brasil ocupou a 43ª posição, à frente apenas da Índia. O índice de bem-estar na aposentadoria do Brasil é de 4% — a pior nota para latino-americanos.
Assim como para a maioria da população, a inflação — no momento, em queda artificial e temporariamente abaixo dos dois dígitos — e os altos preços de combustíveis, alimentos e habitação são as principais causas da perda do poder de compra dos brasileiros e brasileiras mais velhos, apontam os técnicos da Natixis.
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O tsunami de endividamento gerado por Bolsonaro e Guedes fez ainda 751.745 mil pessoas com mais de 60 anos — boa parte pensionista do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) — tornarem-se inadimplentes entre 2021 e 2022. Dados do Serasa de abril deste ano revelam que o atual patamar recorde de inadimplência atingiu todas as faixas etárias, mas entre devedores com mais de 60 anos cresceu 7% em 12 meses.
Carestia e endividamento
As “pragas do Egito” lançadas por Bolsonaro e Guedes na economia degradam ainda mais a qualidade de vida dos trabalhadores inativos, já prejudicada pelas reformas aprovadas após o golpe. É o que aponta a economista Denise Gentil, especialista em Previdência, no Portal da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
“A reforma trabalhista legalizou o trabalho precário, o bico, a terceirização, o pagamento por hora e uberizou as relações de trabalho”, explica a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Sem renda, ganhando algumas vezes menos que o salário mínimo, o trabalhador não consegue contribuir com a Previdência. E se ficar dois, três anos sem pagar ele perde o vínculo com o INSS.”
Em 2019, dois anos após a reforma “trabalhista” de Michel Temer, o número de trabalhadores que não conseguiam pagar a Previdência em relação a 2012 cresceu em 1 milhão, ameaçando a aposentadoria de trabalhadores e trabalhadoras no futuro próximo. A conclusão é de um estudo de Adriana Maria Dessie, doutoranda da Escola Nacional de Ciências e Estatística do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Denise Gentil ressalta que essa precariedade se reflete em outros auxílios, como doença, acidente, desemprego e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Isso faz com que o trabalhador que quer se aposentar perca renda.
“A reforma trabalhista precarizou a Previdência. Sem renda não há contribuição, e sem contribuição não há renda para a aposentadoria”, prossegue Denise. “Isso é muito grave, porque o correto seria ter um aumento, uma evolução como em toda a sociedade. É óbvio que contribuições à Previdência e as relações de trabalho têm uma relação umbilical”, conclui a professora.
Em 2015, Brasil teve aposentadoria em 30 minutos
Como resultado dessa lógica pervertida por Bolsonaro e Guedes, o INSS nunca negou tanto o benefício previdenciário como agora. Conforme informações do Boletim Estatístico da Previdência Social, de 2012 a 2018 o INSS costumava negar em média 3,4 milhões de benefícios ao ano em todas as agências do país. Desde 2019, o número de benefícios indeferidos aumentou para 4,4 milhões ao ano, em média.
No último dia 4, a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado aprovou requerimento convidando o presidente do INSS, Guilherme Gastaldello Pinheiro Serrano, para falar sobre a fila de espera do INSS para a concessão de benefícios.
Em 17 de agosto, 1.221.232 brasileiros estavam na fila do INSS esperando pagamento de benefícios. Do total, 580.006 eram pessoas pobres que aguardavam o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Os trabalhadores, trabalhadoras e brasileiros que têm direitos a benefícios previdenciários estão esperando até um ano pelo pagamento dos valores que deveriam ser liberados em, no máximo, três meses.
O prazo foi estabelecido em junho do ano passado em um acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para acabar com a fila de espera do INSS. Antes do desmonte da Previdência, iniciada por Temer e agravada por Bolsonaro, a lei previa o limite máximo de 45 dias para a análise de todos os benefícios pagos pelo INSS.
Como a fila aumentou nas duas últimas gestões por falta de investimentos e de servidores — os que se aposentaram, mudaram de área ou morreram não foram substituídos porque o Governo Federal não realizou concursos —, o STF firmou o acordo aumentando os prazos, que também não estão sendo cumpridos.
A situação ficou tão grave que, em maio, o INSS passou a usar robôs para analisar requerimentos de benefícios. Mas as máquinas passaram a negar a milhares de pessoas um direito garantido pela legislação brasileira. Do início do uso da tecnologia até o momento, houve redução na fila de pedidos por aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, mas a fila de pedidos de recurso cresceu 32%.
Com PT, fila zero
Durante os governos do PT, investimentos em infraestrutura, tecnologia e equipamentos, além de concursos, fizeram a fila de espera por uma aposentadoria ou benefício previdenciário cair de até dois anos para 30 dias entre 2003 e 2008. Em 2009, Luiz Inácio Lula da Silva instituiu a “Aposentadoria em 30 minutos”, revolucionando o acesso à aposentadoria no Brasil.
Trabalhadores e trabalhadoras passaram a receber carta do INSS anunciando o dia em que já podiam se aposentar. O Programa de Reconhecimento Automático de Direitos acelerou o processo, e o prazo para perícia médica caiu de 1 ano para 5 dias. As filas físicas foram extintas, com agendamentos via telefone ou internet. Foram criados ou reformados 720 postos do INSS em todas as cidades com mais de 20 mil habitantes.
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(Com informações do Portal da CUT)