“Uma política externa que não leva em conta o interesse nacional, que não leva em conta um projeto de desenvolvimento, tem dificuldade de estabelecer conceitos e de se implementar”. Essa é a avaliação do assessor especial para assuntos internacionais nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, Marco Aurélio Garcia, sobre a política externa promovida pelo governo golpista de Michel Temer.
Marco Aurélio Garcia falou no seminário “Impactos da Eleição de Trump para a América Latina e o Brasil”, organizado nesta quarta-feira (29) pela Fundação Friedrich Ebert, Fundação Perseu Abramo, Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos.
Segundo ele, a política externa sempre se relaciona com a política interna, e com a ascensão do governo ilegítimo do PMDB, o País deixou de ter um projeto que guiasse sua atuação no exterior.
Segundo Garcia, “nos últimos 15 anos houve incidência muito maior de relação entre a política externa e interna porque governantes e opositores entenderam que se tratava não só da projeção do país, mas de elemento de configuração do próprio projeto nacional de desenvolvimento”. Para ele, quando o governo não tem projeto nacional de desenvolvimento, a política externa ganha uma dimensão particular e utilitária.
Com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o Brasil fecha se fecha para o mundo e frustra empreitadas neoliberais subservientes como aquela colocada em curso pelo ex-chanceler José Serra (que reassumiu mandato de senador), e pelo atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes.
“Tenho a impressão de que teremos participação pequena da América Latina nas preocupações do Departamento de Estado dos EUA e no governo em si”, afirma Garcia.
O assessor especial de Lula e Dilma ainda avalia que o Brasil deixou de ser uma ameaça aos interesses norte-americanos, uma vez que foram enfraquecidas políticas como o Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e os BRICS.
Oportunidades e desafios
Também esteve presente no debate o professor da Universidade de Denver, Rafael Ioris, para quem a eleição de Trump oferece desafios, mas também oportunidades. Ele reafirma a teoria de que a América Latina terá pouca relevância no planejamento estratégico norte-americano, afirmando que os Estados Unidos irão rechaçar questões como os direitos humanos e o controle da emissão de carbono.
Ainda assim, ele enxerga oportunidades de atuação em três áreas, ainda que seja pouco provável que o governo golpista siga por esses caminhos. “No Brasil, o eixo de atuação mais viável e recomendável seria com nossos vizinhos do sul, talvez a Celac, e talvez com países da aliança do pacífico, ainda mais agora com saída dos EUA”, afirma Ioris. Ele ainda cita a China como um importante parceiro comercial que deve ganhar peso político na geopolítica mundial, além da União Europeia, mas com ressalvas à crise no velho continente.
O professor da Unicamp Sebastião Velasco também esteve presente e afirmou que “há disputa dentro da direita nos EUA”. Ele ressalta que “para o Brasil, o problema é que estamos em crise mais profunda que aquela dos EUA”. “Estamos com o barco à deriva e a questão principal não é o que fazer em relação a tal ou qual hipótese do governo dos Estados Unidos, mas contribuir para pôr fim a situação inadmissível no nosso país, com esse governo vendido”.