A iniciativa do presidente Joe Biden de reunir a Cúpula de Líderes sobre o Clima é coerente com o primeiro ato de seu governo, que foi o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, encerrando um período de negacionismo científico e de isolacionismo político que ameaçava a todos. São gestos que nos fazem retomar a esperança no diálogo, na razão e no futuro da humanidade.
O Brasil foi até recentemente um dos portadores dessa esperança. Está viva na memória a Conferência de Copenhague, em 2009, onde apresentamos metas voluntárias, ambiciosas e factíveis de redução da emissão de gases. Estão registrados os avanços que realizamos na preservação da Amazônia, no combate ao desmatamento e às queimadas e na geração de energia limpa, quando o governo brasileiro estava realmente comprometido com o ambiente.
Infelizmente, para nós e para o mundo, é bem diferente a situação em que nosso país se encontra hoje e a maneira como é visto pela comunidade internacional. O Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia registrou em março novo recorde no desmatamento, de 216% a mais em relação a março de 2020. É o resultado de uma política de destruição que envergonha os brasileiros e ameaça o planeta; um legado trágico que haveremos de superar pela via da democracia.
O Brasil há de voltar ao convívio das nações como um parceiro atuante na questão ambiental e climática, porque esta é a nossa vocação e porque já mostramos do que somos capazes. Entre 2004 e 2015, por exemplo, reduzimos em 79% o ritmo de desmatamento da Amazônia. Criamos 59 milhões de hectares de áreas de proteção de florestas e dos povos que nelas habitam. Foi o que nos credenciou à cooperação soberana com outros países, como Alemanha e Noruega, no Fundo Amazônia.
Defendemos o princípio da responsabilidade comum e compartilhada em relação ao meio ambiente, mas sempre proporcional aos recursos de cada país. Não se pode cobrar de países excluídos historicamente da acumulação de riqueza, à custa da degradação ambiental, o mesmo preço devido pelos que dela se aproveitaram. Não há que sujeitá-los a pressões econômicas nem abandonar os mais frágeis frente às mudanças.
É de maneira soberana, portanto, que o Brasil poderá e deverá voltar a participar deste esforço comum. Sem transigir com sua responsabilidade nem com o potencial humano, natural, tecnológico e econômico para enfrentar a crise. Dando o exemplo. Como protagonista e não como pária.
A cúpula se realiza num momento especialmente grave, em que a emergência climática e a pandemia de Covid-19 estão diante de nós como um alerta dramático. Tanto o aquecimento global como o surgimento de um vírus novo e mortal são respostas da natureza às agressões continuadas do ser humano. A natureza está nos avisando para mudar —e mudar urgentemente, ou não haverá para nossos filhos e netos o planeta que nossas gerações conheceram.
A mesma urgência que orienta a cúpula climática é absolutamente necessária para uma tomada comum de responsabilidades frente à pandemia. Está claro que também sobre essa emergência não haverá saídas isoladas; que nenhum país estará a salvo se todos não estiverem protegidos.
Infelizmente, também nesse ponto o atual governo do Brasil jamais atuou de maneira responsável. Nosso povo sofre a maior tragédia de sua história, e o país é visto como ameaça global. Isso não nos impede, ao contrário, de renovar o chamado aos líderes mundiais para uma ação comum para tornar os meios de enfrentar a pandemia acessíveis a todos, ricos e pobres.
Vacinas, testes e medicamentos contra a Covid-19 devem ser considerados bens da humanidade. Os trilhões que salvaram o sistema financeiro na crise iniciada em 2008 devem agora salvar vidas humanas. E o FMI não pode exigir mais sacrifícios de países que enfrentam a crise com recursos limitados.
Mobilizações como esta cúpula reacendem nossa fé no futuro e no aprofundamento do diálogo democrático, em direção da paz e da igualdade entre os povos.
Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo