Mais de um terço de todos os agrotóxicos utilizados no Brasil foram aprovados pelo atual governo, que agora se empenha em mudar lei de 1989, que regula o setor, para facilitar ainda mais a liberação desse tipo de produto. O PL do Veneno (PL 6.299/2002) faz parte de um conjunto de propostas apoiadas pelo governo – o Pacote do Veneno – que inclui a legalização da grilagem de terras (PLs 2.633/2020 e 510/2021) e a invasão de áreas indígenas para atividades como o garimpo (PLs 490/2007 e 191/2020).
O combate ao Pacote do Veneno, por outro lado, cresce. Depois do Ato pela Terra, que no início do mês reuniu dezenas de artistas e centenas de organizações da sociedade em Brasília, a Campanha avança para mobilizações regionais, marcadas para o final de março (dia 29, no Sudeste) e todo o mês de abril (dia 5, no Sul; dia 12, no Centro-Oeste; dia 19, no Nordeste; e dia 26, no Norte). Elas servirão para organizar ações nos estados contra esses projetos.
Já no Senado, está em preparação um seminário, por iniciativa da senadora Zenaide Maia (Pros-RN), para distribuir o “Dossiê contra o Pacote do Veneno e em defesa da vida” aos parlamentares.
Os males do PL do Veneno foram abordados, também, em artigo do senador Rogério Carvalho (PT-SE) à revista Focus. Entre eles, o risco de graves retrocessos na regulação do setor, uma vez que o projeto retira dos órgãos da saúde e do meio ambiente a prerrogativa de analisar esses processos.
“É a Anvisa, por exemplo, que estabelece os equipamentos de proteção individual que devem ser utilizados pelos trabalhadores rurais na aplicação e no manejo de um agrotóxico e os limites máximos de resíduos permitidos em alimentos. O Ibama realiza atividades como a verificação do uso de agrotóxicos em diversos ecossistemas e a classificação quanto ao potencial de periculosidade ambiental”, lembra o senador, médico e doutor em Saúde Pública.
Com essas regras, ressalta Rogério Carvalho, o Congresso criou, na época, “um colchão protetivo, em que um agrotóxico só pode ser utilizado se comprovar eficácia agronômica, mas também se não destruir o meio ambiente, se for seguro para os trabalhadores rurais e não contaminar os alimentos ou deixar resíduos em quantidades tóxicas para os consumidores”.
O projeto, já aprovado na Câmara, centraliza o processo de liberação ao Ministério da Agricultura. Um absurdo, na opinião do senador. “É evidente que isso enviesa o debate em favor exclusivo dos interesses do agronegócio e dos fabricantes de agrotóxicos, como aponta o temerário mecanismo de registro temporário, previsto no projeto de lei”.
Na opinião de Rogério Carvalho, essa mudança pode trazer, como reflexo, o aumento da incidência de doenças e mortes. “De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os agrotóxicos causam, em países em desenvolvimento, 70 mil intoxicações agudas e crônicas que evoluem para óbito por ano. Outros 7 milhões de casos de doenças agudas e crônicas não fatais estão relacionados a esses produtos. É ampla a literatura científica que associa agrotóxicos ao desenvolvimento de câncer, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças, entre outros”, anota o senador. Com a crescente liberação desses venenos nos últimos anos, um terço dos agrotóxicos utilizados no Brasil inclui alguma substância proibida pela União Europeia.
Rogério Carvalho conclui com um apelo para que se concilie o desenvolvimento agronômico à preservação da saúde e do meio ambiente. “O Brasil não pode ser refém de um agronegócio ultrapassado e predatório, que não tem qualquer compromisso com a preservação da vida e com as gerações futuras”.
Essa é a opinião também do presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, Jaques Wagner (PT-BA), para quem o PL do Veneno desmonta a regulação do setor e coloca mais agrotóxicos na mesa dos brasileiros.
“Claramente prioriza os interesses econômicos e põe em risco toda a sociedade, com repercussões de curto, médio e longo prazos, tanto para as gerações atuais quanto futuras”, avalia o senador, que é autor de uma proposta que busca a harmonia reivindicada por Rogério Carvalho.
O projeto (PL 3.668/2021) de Jaques Wagner firma um marco jurídico para a produção de bioinsumos, ou insumos biológicos, que são produtos feitos a partir de microrganismos, materiais vegetais, orgânicos ou naturais e utilizados nos sistemas de cultivo agrícola para combater pragas e doenças, além de melhorar o solo. A matéria está, atualmente, em análise na CMA.