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Caatinga pode ser solução social, ambiental e econômica

Na véspera do Dia Nacional da Caatinga, comemorado em 28 de abril, a Comissão de Meio Ambiente ouviu especialistas sobre os problemas enfrentados pelo bioma e suas alternativas socioeconômicas sustentáveis
Caatinga pode ser solução social, ambiental e econômica

Foto: Alessandro Dantas

A caatinga, bioma que só existe no Brasil, reúne a maior biodiversidade do planeta. No semiárido que alcança oito dos nove estados nordestinos, mais uma parte do norte de Minas Gerais, tem de tudo: desafios e soluções para o país. De um lado, a caatinga sofre com a perda de 46% de sua flora original e com a degradação de dois terços do restante. Mas, por outro, iniciativas de universidades e organizações não governamentais têm injetado ânimo, além de renda, emprego e alternativas socioambientais que, com políticas públicas corretas, podem ser espalhadas pela região e além dela. Em síntese, essas foram as questões debatidas na audiência pública desta quarta-feira na Comissão de Meio Ambiente do Senado, conduzida pelo presidente do colegiado, Jaques Wagner (PT-BA), entusiasta confesso do bioma, na véspera do Dia Nacional da Caatinga, 28 de abril.

Foto: Alessandro Dantas

“Nossas cooperativas na caatinga e no semiárido já exportam, já verticalizam a produção em várias áreas, com diversos produtos naturais da região. Eu, pessoalmente, me orgulho muito porque o estado da Bahia tem 60% do território no semiárido, são 600 mil pessoas que vivem da agricultura familiar, e a imensa maioria na caatinga e no semiárido. E quem conhece o semiárido sabe o quanto podemos aprender sobre o ciclo da água e o que podemos extrair de lá”, iniciou o senador, lamentando que parte da elite no Brasil encare a região como um problema, e não como uma solução, e lembrando que há uma exposição sobre produção da caatinga aberta à visitação no Senado nesta semana.

A produção local foi o tema do depoimento da professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcia Vanusa da Silva. Ela faz parte de um grupo da academia que trabalha com a caatinga e suas riquezas. Tudo começa, segundo ela, pelo diálogo com a população – 28 milhões de brasileiros habitam esse bioma. Dali, ela e seus colegas extraem conhecimentos tradicionais que vão mover novos arranjos produtivos, rentáveis e sustentáveis. Foi assim com umbu, cujos resíduos resultam em farinha, que origina biscoitos, que alimentam crianças e trazem dinheiro com a venda no comércio. O aprendizado também resultou na produção em série de medicamento que alivia dores intestinais feito a partir da jabuticaba. A fruta ainda rende licores e geleias, que dão valor agregado à produção e ajudam a sustentar os cooperativados. Caso semelhante ao do licuri, uma amêndoa de palmeira que resulta em óleo usado contra bactéria resistente a antibiótico. “A bioeconomia, que agrega valor aos produtos e protege o ecossistema, representa o futuro para essa e outras regiões brasileiras”, atesta Marcia Vanusa, que também aposta no ecoturismo da caatinga como alternativa econômica sustentável.

Essas iniciativas ajudam a combater o extrativismo para a obtenção de carvão e lenha, problema histórico da caatinga. Mas outro sério problema são as mudanças climáticas. Cai cada vez menos chuva, o solo perde a capacidade de reter água e a desertificação avança, inclusive para o agreste e a zona da mata.

Esse é o foco da pesquisadora Francinete Francis Lacerda, do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA). “A alteração do ciclo hidrológico no semiárido é grave. Do século 16 até agora, as secas estão aumentando em tempo e intensidade. Isso aumenta o processo de desertificação, reduz a disponibilidade de água e aumenta a evaporação. Isso já está acontecendo, e precisamos nos adaptar”, recomendou Francinete, que apresentou uma equação curiosa: o plantio de milho rende R$ 3 mil por hectare ao ano, enquanto a instalação de placas solares dá ganhos de até R$ 1,5 milhão ao ano, por hectare. “Nesse caso, se não chove, o potencial de ganhos aumenta. Produção de energia é uma chave para essa transformação”, acredita a pesquisadora, que sugere a colocação dessas placas em áreas degradadas do semiárido para financiar projetos para a recuperação do bioma e abastecer o país com energia elétrica limpa.

Outra solução é produzir hortaliças e criar galinhas e peixes com o aproveitamento de água da chuva combinada com energia solar. Francinete mostrou imagens dessa engenhoca, desenvolvida no semiárido. É o sistema agrofotovoltáico, que mede cerca de 24m2 e que, ao captar água da chuva, leva-a para um reservatório que irriga a produção em regime de aquaponia, que faz a água recircular entre o tanque de peixes e os tubos onde são cultivados os vegetais, por exemplo.

É também como Rosimeire Cavalcante dos Santos, professora e doutora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), enxerga essa parte do Brasil. “É preciso retirar o foco na escassez e olhar a abundância do bioma da caatinga”. Ela explicou que é possível aproveitar o extrativismo no semiárido para produzir biomassa.

Já o coordenador regional do Projeto Rural Sustentável Caatinga, Francisco Carneiro Barreto Campello, defendeu políticas públicas voltadas para fortalecer a agricultura familiar no sertão. “Nada menos que 2% das propriedades da caatinga impactam em um terço da degradação do bioma”, denunciou, reforçando a informação de que as pequenas propriedades, de menos de 10 hectares, são as que menos degradam.

Por fim, o representante do Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não Governamentais Alternativas-Caatinga, Paulo Pedro de Carvalho, reivindicou a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 504) da Caatinga e do Cerrado. O texto, já aprovado pelo Senado, torna esses dois biomas patrimônios nacionais, possibilitando a adoção de políticas públicas locais com base na preservação do meio ambiente e da melhoria da qualidade de vida da população.

Ao elogiar a contribuição das entidades para que a população conheça melhor a caatinga e suas potencialidades, o senador Jaques Wagner ressaltou que, mais do que nunca, “a solidariedade ambiental é obrigatória, porque aquilo que acontece de agressão ao meio ambiente aqui ou na outra ponta do planeta repercute em todos os lugares, pelo ar que respiramos, pelo mar, e por aí vai. As pessoas precisam entender que árvore em pé vale mais que árvore cortada. E preservação não é questão de esquerda nem de direita, é questão de bom senso”.

Agrotóxicos

Na segunda parte da reunião, Jaques Wagner teve requerimento de sua autoria aprovado pela CMA. O objetivo é ampliar o debate sobre o PL do Veneno (PL 6.299/2002), que abranda o controle e a fiscalização sobre o comércio e o uso de agrotóxicos no Brasil. Jaques pediu que sejam acrescentados à lista de debatedores representantes do Ministério Público do Trabalho, da Universidade de São Paulo e da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

“No Brasil, há cerca de 3 mil produtos agrotóxicos autorizados para comercialização, sendo que a terça parte desses produtos recebeu registro apenas em 2019 e 2020. Com o total de quase 500 novas substâncias, cerca de 10 agrotóxicos foram liberados por semana em 2020. Grande parte dos agrotóxicos aprovados no Brasil não são permitidos na União Europeia, alguns há décadas”, justificou no pedido o senador e presidente da CMA.

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