“Quem foi que disse, professor de que matéria, que o sertão só tem miséria, que só é seca e penar? Que é a paisagem da caveira de uma vaca enfiada numa estaca fazendo a fome chorar?”. Os questionamentos declamados pelo poeta Antônio Marinho, nesta segunda-feira (24), durante audiência no Senado, foram respondidos de forma uníssona: não, na caatinga não há só adversidade, mas uma riqueza e resistência únicas no país.
Durante debate sobre o tema na Comissão de Meio Ambiente (CMA), a senadora Teresa Leitão (PT-PE) destacou a importância do bioma, que representa 11% do território brasileiro, abriga 27 milhões de pessoas e é responsável por mais de 90% de toda a produção eólica nacional.
“O imenso potencial para geração de energia renováveis, a busca pela segurança hídrica através das diversas experiências para a captação e reuso de água no semiárido, o potencial medicinal, alimentar e cosmético das plantas nativas, o ecoturismo, com imenso potencial para a conservação de serviços ambientais, além dos seus incontáveis sistemas sustentáveis e tradicionais de produção de alimentos, tornam a caatinga um verdadeiro complexo social, cultural, natural, produtivo e econômico. Que é preciso ser reconhecido, conhecido por quem não conhece com esta dimensão”, afirmou a parlamentar.
“Solo fértil de onde brotou a literatura de Graciliano Ramos e as ‘Vidas Secas’ de seus personagens, vítimas da falta de ação do Estado, até as veredas mágicas do sertão mítico de Guimarães Rosa”, complementou, citando grandes nomes da literatura local e do país.
A ausência do Estado na região, aliás, foi uma constante em muitos governos que atuaram no Brasil – até a chegada de um tal Luiz Inácio, filho do sertão, chegar à presidência com a sua visão verdadeiramente voltada para os nordestinos. Um povo, acima de tudo, resistente, como explicou Antônio Marinho.
“Acho que a caatinga encarna essa alma brasileira e nordestina de ser capaz de resistir, de sua resiliência de fazer sua graça até da desgraça e enfrentar o desmando, as ausências estatais e as negligências de políticas públicas. Enfrentar tudo isso com uma sublimação existencial muito forte da arte, da cultura popular”, disse o poeta.
O governo Lula mudou o tratamento para a região. Desde que assumiu a primeira vez, em 2003, as gestões petistas investiram em programas de apoio aos mais pobres como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos e Farmácia Popular. Além disso, uma das maiores obras do país: a transposição do Rio São Francisco, para levar água a milhões de famílias nordestinas.
Outra ação de Lula que ajudou a levar água para os que vivem no sertão é o programa de cisternas, que já beneficiou mais de 5 milhões de brasileiros. Foram mais de 1,3 milhão de cisternas construídas e 1.200 municípios atendidos.
Combate à desertificação
O bioma da caatinga é um dos mais ricos do mundo, abrigando mais de 123 famílias botânicas, além de 178 espécies de mamíferos, 591 de aves, 177 de répteis, 79 de anfíbios, 241 de peixes e 221 de abelhas.
“Ou seja, caatinga não é homogênea. Tem seus microambientes e ambientes especiais. A extraordinária heterogeneidade desse ambiente é possivelmente a principal razão pela qual a região é uma das terras secas tropicais mais biodiversas do mundo. E mantém milhares de espécies, muitas das quais não são encontradas em nenhum outro lugar”, explicou o representante do Ministério do Meio Ambiente, Alexandre Pires.
A manutenção da biodiversidade local acabou sendo deixada de lado na última gestão, de acordo com Pires. Por isso, um dos compromissos do governo Lula e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é retomar as políticas de combate à desertificação.
Segundo ele, a gestão atual trabalha ainda para criar um plano de combate ao desmatamento da caatinga “para conter o processo de destruição desse bioma tão importante”.
“Não há possibilidade de a gente pensar em qualquer estratégia de conservar, de cuidar do bioma caatinga, sem incluir a relação que isso tem com a geração de renda, a garantia da segurança alimentar e hídrica e a melhoria da qualidade do povo que vive aqui”, apontou Alexandre.
Além dos investimentos, há ainda outras necessidades locais, de acordo com a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco, Márcia Vanusa da Silva.
“Temos demandas urgentes. A primeira delas é o reconhecimento da caatinga como patrimônio nacional. Além disso, a implementação de viveiros educativos, principalmente em ambientes escolares; investimentos em pesquisas, uma vez que existe um celeiro de possibilidades cosmética, farmacológica e alimentar; e fomentar a bioeconomia principalmente com as espécies nativas”, explicou a professora.