A obsessão da dupla Jair Bolsonaro e Paulo Guedes em “salvar a economia” a qualquer custo vem cobrando um preço amargo ao povo brasileiro.
Com 330 mil mortos pela pandemia, já é possível afirmar que não há rigorosamente mais ninguém neste país que não tenha perdido um parente, um amigo, um vizinho, um colega de profissão ou uma professora que deixou sua marca em nossa trajetória.
É um trauma que vai nos assombrar ainda muito tempo depois que a ciência tenha conseguido domar o vírus.
E a economia — apesar de todas as vítimas sacrificadas no altar da teimosia e da má teoria — continua a desabar por um despenhadeiro tão fundo quanto o abismo onde transita o ânimo deste que já foi apontado o povo mais feliz do mundo.
Colocar a economia acima das pessoas — que são o motor e a razão de ser da economia — é monstruoso. Insistir em prescrever ultrapassadas fórmulas de almanaque, seja por amor à ortodoxia ou por franco desamor à população, é crime contra a humanidade.
O resultado é devastador: 19 milhões de brasileiros e brasileiras passam fome na pandemia e nada menos do que 116 milhões de nossos compatriotas conviveram com algum grau de insegurança alimentar — com a incerteza de ter o que comer.
Os números constam do estudo divulgado esta semana pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), segundo o qual 55,2% das famílias brasileiras experimentaram algum grau de privação, desde o início da pandemia.
Mas a ortodoxia bronca que orienta os descaminhos da economia brasileira não se mexe. Basta ver a sabotagem e as “contrapartidas” exigidas para pagar R$ 150 reais de auxílio emergencial a quem precisa ficar em casa para não morrer de covid.
Enquanto isso, nos Estados Unidos— meca da ortodoxia que guia a seita de Bolsonaro e Guedes —, o presidente Joe Biden injeta US$ 4 trilhões na economia americana para superar a crise e dar fôlego a seu povo.
Entre os investimentos previstos, destacam-se US$ 213 bilhões em habitação, US$ 137 bilhões em escolas públicas e US$ 300 bilhões em pequenos negócios. Com um detalhe: o dinheiro para financiar esses investimentos não vem do congelamento de salários de servidores nem da privatização de ativos públicos, como exigiram Bolsonaro e Guedes para a concessão do novo auxílio emergencial.
O chamado “Pacote Biden” será custeado principalmente com o aumento de impostos pagos por grandes empresas e por milionários.
Enquanto no Brasil temos a estreia de onze novos bilionários do ranking da Forbes, o 1% mais rico entre os norte-americanos verá a tributação de sua renda crescer de 29,7% para 41,7% — o topo do topo da pirâmide, o 0,1% mais rico, terá a renda taxada em 46,7%.“Não acredito que ainda precise dizer isso, mas corporações gigantes não devem pagar menos impostos que um professor ou um bombeiro”, tuitou Biden em defesa de seu pacote, aprovado em tempo recorde pelo Congresso norte-americano.
Um observador distraído é capaz de imaginar que há um comunista na Casa Branca. Mas é bom lembrar que investimento estatal para recolocar em movimento a roda da economia não é inédito nas terras de Tio Sam, como prova o New Deal de Roosevelt, na época da Grande Depressão.
Claro, quem não digeriu direito a ortodoxia pode cair na tentação de apedrejar o “camarada Biden”. Mas, pensando bem, comparado com Bolsonaro, Gengis Khan é só um barbudo como Lenin.
Artigo originalmente publicado no Congresso em Foco