Apenas em 2024, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) recebeu cerca de 6 mil queixas de clientes sobre rescisões unilaterais de contratos de plano de saúde. Os números, no entanto, podem ser muito maiores, já que nem todos os usuários abrem reclamação. O tema crítico foi tema de debate nesta terça-feira (4/6) na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado.
Segundo o jornal O Globo, a Amil teria planos de rescindir unilateralmente 70 mil contratos, enquanto a Unimed Nacional, segundo fontes, suspendeu o plano de cancelar 40 mil contratos.
Ainda de acordo com o jornal, a grande maioria dos usuários dos planos dessas empresas está concentrada em planos oferecidos pelas empresas nas quais trabalham ou em planos coletivos por adesão. Os relatos de usuários e escritórios de advocacia apontam que é nestes grupos que estão concentradas as rescisões unilaterais.
O debate foi solicitado pelo presidente do colegiado, senador Humberto Costa (PT-PE). Devido ao grande número de participantes na reunião – que durou mais de 3h –, Humberto se comprometeu a organizar uma nova audiência para discutir os desdobramentos dos temas abordados.
Um dos temas mais abordados pelos participantes foi a prática abusiva desse tipo de cancelamento por parte das empresas, atingindo diretamente o direito à saúde do cidadão. O problema afeta especialmente pessoas vulneráveis, com doenças raras e crianças autistas.
Para a defensora pública federal Carolina Godoy, essa situação afeta principalmente famílias mais pobres, que fazem um esforço financeiro significativo para custear os planos.
“Eles pagam com a expectativa de que, no momento em que precisarem, vão poder usar e realizar tratamentos com facilidade e eficiência. Então, quando chega a notícia de cancelamento de plano de saúde, para essas famílias significa uma grave violação de direitos, porque eles realmente não têm outra alternativa, não conseguem fazer aquele custeio de forma particular”, explica a defensora.
Riscos para empresas e consumidores
As empresas, oficialmente, não detalham os motivos para as rescisões unilaterais, apenas respostas genéricas, segundo O Globo. Mas, de acordo com o jornal, nos bastidores, elas alegam que têm muitas carteiras deficitárias e que, mesmo ajustando contas, a única solução é cancelar esses contratos.
Além disso, elas alegam estarem sendo alvo de fraudes, como as por parte de clínicas que inflam sessões de tratamentos de saúde em busca de ressarcimento das operadoras.
A senadora Teresa Leitão (PT-PE), no entanto, critica a postura das empresas, alegando que os riscos não podem ser apenas dos consumidores, mas também das empresas.
“Os riscos não podem ser unilaterais, apenas para quem tá pagando. Tem que ser também para quem está ganhando dinheiro. […] Enquanto a gente não enfrentar essa lei com outro modelo de sociedade, estaremos submetidos a ela, porque a corda sempre rompe do lado do mais fraco”, disse a senadora.
“Então, em se tratando de algumas coisas do mercado, a gente até alivia a crítica, mas em se tratando de saúde é difícil. Em se tratando de saúde, a gente tá tratando de vidas”, acrescenta.
Idosos e pessoas com deficiência
Entre os grupos mais vulneráveis nos planos de saúde, estão os idosos e as pessoas com deficiência.
No caso dos idosos, o motivo das exclusões neste grupo é por serem “uma presa fácil”, de acordo com a representante da Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistema de Saúde, Renê Patriota.
“Os contratos têm que ser reanalisados por este Senado, pelo Congresso, pela ANS. Esses contratos não podem continuar circulando como estão. O Congresso precisa respeitar os consumidores como eles merecem. Porque estes cancelamentos unilaterais são práticas abusivas, desonestas e desumanas com o consumidor idoso”, disse Renê.
Já em relação aos autistas, a representante da Comissão da Pessoa com Deficiência da Câmara Municipal do Recife, vereadora Liana Cirne (PT), utilizou o exemplo dos gastos em um condomínio, comumente utilizado pelas operadoras de planos de saúde para justificar aumentos nos valores de contratos.
“Quero já invocar um exemplo que nós utilizamos muito, que é o do condomínio. Moro em um condomínio. Meu condomínio tem uma escadaria, é um prédio dos anos 1950. Não se falava de acessibilidade naquela época. Mas lá também há pessoas idosas e cadeirantes. Temos uma escolha: ou vamos colocar uma rampa de acessibilidade que será custeada por todos os condôminos ou nós vamos obrigar as pessoas idosas e cadeirantes a não terem acesso livre de ir e vir a qualquer lugar porque entendemos que nós, demais condôminos, não temos que arcar com o custo de uma sociedade livre, inclusiva e que respeita a dignidade humana de todos os nossos vizinhos”, exemplifica Liana.
“Esse é o dilema do condomínio que é utilizado como paradigma pelos planos de saúde que se arvoram no direito de rescindir, unilateralmente, os contratos de assistência à saúde de pessoas autistas e idosas”, critica.
Recentemente, entidades ligadas às operadoras se reuniram com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e se comprometeram a rever o cancelamento de contratos. No entanto, segundo O Globo, o acordo é condicionado à votação de uma nova lei dos planos de saúde ainda no segundo semestre deste ano.