verdade oculta

“Capitão censura” tenta, mas não consegue esconder a corrupção

Sonegação de informações não reduz pressão por apuração dos escândalos que pipocam desde 2019. “O único índice que sobe no governo de Bolsonaro é esse: sigilo em informações”, diz Humberto Costa
“Capitão censura” tenta, mas não consegue esconder a corrupção

Arte: Site do PT

Na república surreal de Jair Bolsonaro, o sigilo é a cloroquina do discurso “nesse governo não tem corrupção”, ao qual o ex-capitão acrescentou nesta quarta-feira (15) o “saberá em 100 anos”. Como no tempo da ditadura, a transparência é sacrificada em nome da aparência. Eleito em meio a uma suposta cruzada contra a corrupção baseada em falácias sobre sua pretensa idoneidade, Bolsonaro tenta demolir a golpes de picareta mais um dos legados institucionais dos governos do PT – o amplo acesso à informação.

A recente medida do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o campeão da censura, de decretar sigilo de cem anos em encontros de Bolsonaro com pastores lobistas, sob a alegação de que a divulgação das informações poderia colocar em risco a vida do presidente e familiares, é mais uma na longa lista de atentados à transparência. O site Congresso em Foco contabilizou crescimento de 663% nas negativas às solicitações de informações via portal Fala.BR em três anos de “Capitão Censura” no Planalto.

A estimativa, produzida com base em dados do Painel de Acesso a Informação, mantido pela Controladoria Geral da União (CGU), compara a atual situação à do governo Dilma Rousseff (PT), quando apenas 2,6% dos acessos à informação foram negados sob a justificativa de sigilo. Com Bolsonaro, o percentual disparou para 19,84%, enquanto o usurpador Michel Temer usou o mesmo argumento para negar 18,57% dos pedidos.

“Da carteira de vacinação a registro de acesso dos filhos ao Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro levantou o véu do sigilo às informações por 100 anos. No mais recente caso, o GSI negou acesso ao jornal O Globo às informações sobre as visitas dos pastores lobistas envolvidos no escândalo do Ministério da Educação (MEC), que só poderão vir à luz em 2122”, afirma a reportagem do Congresso em Foco.

“O único índice que sobe no governo de Bolsonaro é esse: sigilo em informações. Algumas até por 100 anos. Transparência e acesso à informação são fundamentais numa democracia”, comentou o senador Humberto Costa (PT-PE) em postagem no Twitter.

 

Como senador, Humberto Costa colaborou com a aprovação da Lei nº 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI). Assinada pela presidenta Dilma Rousseff e pela atual presidenta nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), na época ministra-chefe da Casa Civil, a lei foi publicada em 18 de novembro de 2011.

Menos de oito anos depois, com “embrulho no estômago” de cumprir a Constituição, o desgoverno Bolsonaro iniciou sua campanha de afronta à LAI e ao dever do Estado de garantir aos cidadãos o direito a informação transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.

Para justificar o sigilo de um século, Bolsonaro alega que a informação pública conteria informações pessoais para se enquadrar no artigo 31 da LAI, que prevê que “informações pessoais, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem […] terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção.”

“Esse é um tipo de sigilo que não está submetido à Comissão Mista de Reavaliação de Informações, que atua como última instância recursal administrativa na análise de negativas de acesso à informação”, explica ao Congresso em Foco Bruno Morassutti, advogado e cofundador da agência de dados Fiquem Sabendo, especializada na LAI.

Mas as manobras bolsonaristas não reduziram a pressão por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para investigar o MEC. Senadores de oposição e da Bancada do PT mantêm a mobilização para coletar assinaturas. Também a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) promove campanha de denúncia dos escândalos do desgoverno Bolsonaro para obter apoio dos senadores.

Mentira e sigilo

“O Brasil é governado por um presidente pródigo em escândalos de corrupção. Para evitar que as suas falcatruas venham a público, ele decreta sigilo para abafar a realidade”, disse o líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN). “Não há em nossa história recente nenhum presidente que se compare a ele no uso desse recurso. Bolsonaro vai passar para a história como um dos piores e mais mentirosos políticos de nossa geração.”

Logo em janeiro de 2019, a Lei de Acesso à Informação sofreu o primeiro ataque de Bolsonaro: um ato normativo ampliou o número de servidores autorizados a decretar sigilo de informações sobre documentos. No início de 2020, aproveitando-se da pandemia, foi suspenso o prazo de resposta de 20 dias aos pedidos por meio da LAI.

No fim de 2021, quando a LAI completou 10 anos, a Transparência Brasil divulgou análise demonstrando que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República foi o órgão federal que mais usou a Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) para negar informações desde que a regra entrou em vigor, em 18 se setembro de 2020.

O GSI emitiu ao menos 50 negativas com base na nova regra, aprovada sob Michel Temer. Considerando apenas 2021, a lei foi usada como fundamento em mais da metade (51,2%) do total de negativas do órgão registradas até outubro de 2021.

Todas as solicitações negadas buscavam obter registros de entrada e saída em palácios do governo, detalhes de agendas de autoridades e registros de reuniões. O relatório destaca que a proteção de dados complementa o argumento mais presente nessas negativas: o da segurança do presidente da República. Marina Atoji, gerente de projetos da Transparência Brasil, afirmou que “o GSI usou a lei como uma camada extra de verniz legal a uma restrição claramente motivada por interesse político”.

O pico de negativas em 2021 foi registrado em junho, quando a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid acelerava as investigações. Dos 31 casos, 41% tinham como origem o GSI e se referiam a reuniões com representantes da Precisa Medicamentos e a visitas do deputado federal Luís Miranda ao Palácio do Planalto. À época, ele afirmou ter comunicado a Bolsonaro, em reunião no Planalto, a existência de irregularidades no contrato do Ministério da Saúde com a Precisa para compra de vacinas contra Covid-19.

Sintomaticamente, o Ministério da Saúde ocupa o segundo lugar em número absoluto de negativas que mencionavam a Lei de Proteção de Dados sem que o pedido fosse a respeito da legislação. Foram identificados 40 casos em respostas da pasta emitidas de 2019 a 2021. Boa parte (42,5%) ocorreu antes de a lei entrar em vigor.

Transparência, marca do PT

De forma inédita no Brasil, os governos petistas transformaram o combate à corrupção em uma ação permanente do Estado. A partir da chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, em 2003, medidas com esse propósito tornaram-se prioridade por meio da ação articulada entre diversos órgãos do governo federal e do incentivo à participação da sociedade civil.

A atuação do governo se pautou em um tripé formado por: criação e fortalecimento dos órgãos responsáveis por investigar irregularidades, com plena autonomia; mecanismos de transparência que permitem maior participação da sociedade no controle da gestão pública em todos os níveis; e medidas legais para prevenir, detectar e punir a corrupção.

Criada por Lula, a Controladoria-Geral da União (CGU) tornou-se uma eficiente instituição de fiscalização da máquina pública e de prevenção de atos ilícitos. Entre 2003 e 2015, a CGU fiscalizou 2.144 municípios, e 5.390 servidores públicos federais foram expulsos por envolvimento em irregularidades.

Foi criado o Portal da Transparência, com informações detalhadas sobre pagamentos do governo federal a pessoas físicas e empresas. Entre 2004 e 2015, houve quase 61 milhões de acessos à plataforma, que recebeu diversos prêmios internacionais e foi reconhecido pelas Nações Unidas como uma das cinco melhores práticas de prevenção à corrupção no mundo.

Também foi instituído o Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção, com representantes do governo e de entidades da sociedade civil, do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU). A atribuição do grupo era sugerir estratégias de combate à corrupção e à impunidade.

A cultura republicana de respeito e fortalecimento das instituições do Estado democrático prosseguiu com Dilma Rousseff. Até seu afastamento pelo golpe, em maio de 2016, Dilma aprovou no Congresso uma série de medidas legais. Entre elas, o aperfeiçoamento da Lei de Lavagem de Dinheiro (2012); punição de empresas corruptoras (2013); lei anticorrupção (2013); lei que estabelece punição administrativa e civil ao corruptor (2013); lei de Combate às organizações criminosas (2013).

“Essa foi uma importante conquista da sociedade, possível graças às gestões do PT, que finalmente deram transparência aos gastos e atos governamentais”, ressaltou o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA). “Bolsonaro atua para esconder seu péssimo trabalho por meio de atos secretos e praticamente enterra a LAI”, acusou. “Mas este pesadelo de governo está próximo de acabar e novamente teremos acesso aos dados públicos.”

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