Cartel do metrô usou conta na Suíça para movimentar altas somas

Ministério Público e Tribunal de Contas
“encontram fortes indícios de que o
esquema do Metrô continua a operar”

A revista Istoé prossegue com as denúncias sobre o mensalão tucano. Segundo a reportagem, o Ministério Público do Estado (MPE) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) “encontram fortes indícios de que o esquema do Metrô continua a operar”, o que vai provocar uma análise minuciosa dos contratos firmados por Serra e Alckmin.

A propina teria sido movimentada por meio da conta “Marília”, “aberta no Multi Commercial Bank, em Genebra”, como mostra outra reportagem da revista. Teriam sido movimentadas somas milionárias para subornar homens públicos e conseguir vantagens para as empresas Siemens e Alstom nos governos de SP.

Leia a íntegra das matérias:

As pegadas recentes do cartel
Ministério Público e Tribunal de Contas de São Paulo encontram fortes indícios de que o esquema do Metrô continua a operar. Contratos em vigor firmados por José Serra e Geraldo Alckmin serão analisados com lupa

Diante das contundentes provas de que as empresas da área de transporte sobre trilhos desviaram quase meio bilhão de reais no esquema do Metrô, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) correm contra o tempo para apurar se as irregularidades persistem nos contratos ainda em vigor. O objetivo é encerrar o quanto antes a sangria aos cofres públicos. Na última semana, o TCE anunciou que fará um pente-fino sobre acordos celebrados recentemente entre as companhias integrantes do cartel e o governo paulista. Para integrantes do MP e do TCE, há fortes indícios de que as fraudes ocorreram em contratos em curso, assinados pelo ex-governador José Serra (2007-2010) e pelo atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Entre eles estão os acordos para a reforma de trens das Linhas 1 (Azul) e 3 (Vermelha) do Metrô paulista, celebrados em 2008 e 2009. Com duração de cinco anos e meio e valores que somados superaram R$ 1,7 bilhão, os serviços foram divididos entre consórcios formados pelas empresas participantes do cartel. Até a denunciante do esquema, a Siemens, faz parte do projeto. Também integram o consórcio as empresas Alstom, Iesa, Bombardier, Tejofran, Temoinsa, TTrans e MPE, contratadas para reformar 98 trens.

EM CURSO
Assinados em 2008 e 2009, os contratos ainda em vigor para a reforma de trens das Linhas 1 (Azul) e 3 (Vermelha) do Metrô paulista estão sob investigação

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo irá começar a devassa pelos contratos que ainda não foram julgados, entre os quais muitos ainda em plena execução. Segundo o presidente do TCE, Antonio Roque Citadini, a prioridade será dada para aqueles firmados com as 18 empresas participantes do cartel. “Temos de investigar essas licitações e focar, principalmente, nos aditivos”, diz Citadini. Entre eles está o de fornecimento de 40 trens de oito carros firmado entre a CPTM e a espanhola CAF durante a gestão do tucano José Serra. Em um e-mail em poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), um executivo da Siemens informa aos seus superiores que Serra (PSDB) e seu secretário de Transportes Metropolitanos, José Luiz Portella, sugeriram que a Siemens dividisse o contrato bilionário com a CAF, vencedora do certame. O governo temia que eventuais disputas judiciais entre as companhias atrasassem a entrega dos trens. A parceria acabou não acontecendo, mas o Estado incentivou a prática anticompetitiva, responsável quase sempre por gerar prejuízos ao erário. Esse contrato, financiado pelo Banco Mundial, também foi alvo de discussão preliminar no Tribunal de Contas entre a espanhola CAF e a Iesa. A Iesa tentou, sem sucesso, conseguir 30% do valor acertado alegando que tinha fechado um acordo verbal com a CAF em troca de oferecer a sua qualificação técnica para a companhia conquistar a licitação.

DISCURSO CONTRADITÓRIO
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, diz que vai processar a Siemens, mas não cancelou os contratos da empresa integrante do cartel

Trabalho maior, no entanto, o TCE terá na segunda fase da operação pente-fino. O órgão pretende julgar novamente os contratos antes considerados regulares entre o Metrô paulista e a CPTM com as empresas do cartel. A nova verificação, segundo o conselheiro, tornou-se necessária, pois dez dos 16 contratos agora revelados pelo Cade como superfaturados foram julgados normais pelo Tribunal por seguirem os padrões técnicos e de licitação. O Ministério Público de São Paulo trabalha em outra frente. Além de tentar recuperar os milhões desviados pelo cartel, os dez promotores se debruçam sobre inquéritos para confirmar os desvios cometidos por políticos e funcionários públicos que compactuaram com o esquema. “As investigações são separadas por contrato. O objetivo também é a apuração de eventual conduta ímproba de servidor”, diz o promotor Silvio Antonio Marques. As investigações se concentram no ¬período em que o cartel se manteve ativo, durante as gestões Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin.

alckmin

A conta secreta do propinoduto
Documentos vindos da Suíça revelam que conta conhecida como “Marília”, aberta no Multi Commercial Bank, em Genebra, movimentou somas milionárias para subornar homens públicos e conseguir vantagens para as empresas Siemens e Alstom nos governos do PS

Na edição da semana passada, ISTOÉ revelou quem eram as autoridades e os servidores públicos que participaram do esquema de cartel do Metrô em São Paulo, distribuíram a propina e desviaram recursos para campanhas tucanas, como operavam e quais eram suas relações com os políticos do PSDB paulista.

A CONTA DA PROPINA
Dinheiro para tucanos saiu da “conta Marília” no Leumi Private Bank, em Genebra, na Suíça

Agora, com base numa pilha de documentos que o Ministério da Justiça recebeu das autoridades suíças com informações financeiras e quebras de sigilo bancário, já é possível saber detalhes do que os investigadores avaliam ser uma das principais contas usadas para abastecer o propinoduto tucano. De acordo com a documentação obtida com exclusividade por ISTOÉ, a até agora desconhecida “conta Marília”, aberta no Multi Commercial Bank, hoje Leumi Private Bank AG, sob o número 18.626, movimentou apenas entre 1998 e 2002 mais de 20 milhões de euros, o equivalente a R$ 64 milhões. O dinheiro é originário de um complexo circuito financeiro que envolve offshores, gestores de investimento e lobistas.

Uma análise preliminar da movimentação da “conta Marília” indica que Alstom e Siemens partilharam do mesmo esquema de suborno para conseguir contratos bilionários com sucessivos governos tucanos em São Paulo. Segundo fontes do Ministério Público, entre os beneficiários do dinheiro da conta secreta está Robson Marinho, o conselheiro do Tribunal de Contas que foi homem da estrita confiança e coordenador de campanha do ex-governador tucano Mário Covas. Da “Marília” também saíram recursos para contas das empresas de Arthur Teixeira e José Geraldo Villas Boas, lobistas que serviam de intermediários para a propina paga aos tucanos pelas multinacionais francesa e alemã.

ELO ENTRE OS ESQUEMAS
Ligado aos tucanos, o lobista Arthur Teixeira, dono de offshores no Uruguai, recebeu recursos da “conta Marília”

O lobista Arthur Teixeira personifica o elo entre os esquemas Alstom e Siemens. Como ISTOÉ já revelou numa série de reportagens recentes, com base nas investigações em curso, Teixeira e seu irmão Sérgio (já falecido) foram responsáveis por abrir as empresas Procint e Constech, além das offshores Leraway Consulting e Gantown Consulting, no Uruguai, com o único objetivo de servir de ponte ao pagamento de comissões a servidores públicos e a políticos do PSDB. Teixeira tinha acesso privilegiado ao secretário de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, e ao diretor de Operação e Manutenção da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), José Luiz Lavorente, o encarregado da distribuição em mãos da propina.

Até 2003 conhecido como Multi Commercial Bank, depois Safdié e, a partir de 2012, Leumi Private Bank AG, a instituição bancária tem um histórico de parcerias com governos tucanos. Em investigações anteriores, o MP já havia descoberto uma outra conta bancária nesse banco em nome de Villas Boas e de Jorge Fagali Neto, ex-secretário de Transportes Metropolitanos de SP (1994, gestão de Luiz Antônio Fleury Filho) e ex-diretor dos Correios (1997) e de projetos de ensino superior do Ministério da Educação (2000 a 2003) na gestão Fernando Henrique Cardoso. Apesar de estar fora da administração paulista numa das épocas do pagamento de propina, Fagali manteria, segundo a Polícia Federal, ascendência e contatos no governo paulista. Por isso, foi indiciado pela PF sob acusação de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Fagali Neto também é irmão de José Jorge Fagali, que presidiu o Metrô na gestão de José Serra. José Jorge é acusado pelo MP e pelo Tribunal de Contas Estadual de fraudar licitações e assinar contratos superfaturados à frente do Metrô.

Para os investigadores, a “conta Marília” era usada para gerenciar recursos de outras contas destinadas a abastecer empresas e fundações de fachada.

Para os investigadores, a “conta Marília” funcionaria como uma espécie de “conta master”, usada para gerenciar recursos de outras que, por sua vez, abasteceram empresas e fundações de fachada, como Hexagon Technical Company, Woler Consultants, Andros Management, Janus, Taltos, Splendore Associados, além da já conhecida MCA Uruguay e das fundações Lenobrig, Nilton e Andros. O MP chegou a pedir, sem sucesso, às autoridades suíças e francesas o arresto de bens e o bloqueio das contas das pessoas físicas e jurídicas citadas. Os pedidos de bloqueio foram reiterados pelo DRCI, mas não foram atendidos. Os investigados recorreram ao STJ para evitar ações similares no Brasil.

O MP já havia revelado a existência das contas Orange (Laranja) Internacional, operada pelo MTB Bank de Nova York, e Kisser (Beijoqueiro) Investment, no banco Audi de Luxemburgo. Ou seja, “Marília” é mais um nome próprio no dicionário da corrupção tucana. Sabe-se ainda que o cartel operado pelas empresas Siemens e Alstom, em companhia de empreiteiras e consultorias, usava e-mails cifrados (leia quadro).

RELAÇÃO COM FHC
Um dos beneficiários da propina oriunda da Suíça, Geraldo Villas Boas mantinha uma conta conjunta com Jorge Fagali Neto, ex-diretor de projetos do Ministério da Educação (2000 a 2003) na gestão de Fernando Henrique Cardoso

Os novos dados obtidos pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça dão combustível para o aprofundamento das investigações no Brasil. Além do processo administrativo aberto pelo Cade sobre denúncia de formação de cartel nas licitações de São Paulo e do Distrito Federal, outras duas ações sigilosas, uma na 6ª Vara Federal Criminal e outra na 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, apuram crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa. Além de altos funcionários do Metrô, como os já citados Lavorente e Fagali, as investigações apuram a participação do ex-secretário de Energia e vereador Andrea Matarazzo, em razão de contratos celebrados entre a Companhia de Energia de São Paulo (CESPE) e a Empresa Paulista de Transmissão de Energia Elétrica S.A. (EPTE).

Na documentação encaminhada pelo DRCI ao MP de São Paulo, a pedido do promotor Silvio Marques, também constam novos dados bancários de vários executivos franceses, alemães e brasileiros que tiveram algum tipo de participação no esquema de propinas. São eles os franceses Michel Louis Mignot, Yves Barbier de La Serre, André Raymond Louis Botto, Patrick Ernest Morancy, Jean Pierre Antoine Courtadon e Jean Marcel Jackie Lannelongue e os brasileiros José Amaro Pinto Ramos, Sabino Indelicato e Luci Lopes Indelicato, além do alemão Oskar Holenwger, que operou em toda a América Latina. Na Venezuela, Holenwger é citado junto a Mignot, La Serre, Morancy e Botto em investigação sobre lavagem de dinheiro, apropriação indébita qualificada, falsificação de documentos e suposta corrupção de funcionários públicos do setor de energia.

DA COZINHA DE COVAS
De acordo com o MP, o conselheiro do TCE, Robson Marinho (foto), homem de confiança do ex-governador Mário Covas, recebeu dinheiro através da conta Marília

O apoio das autoridades de França e Suíça às investigações brasileiras não tem sido tão fácil, e a cooperação é mais recente do que se pensava. O Ministério da Justiça chegou a pedir o compartilhamento de informações ainda em 2008 – auge da investigação da Siemens e da Alstom. Mas não foi atendido. Os franceses lembraram que, nos termos do acordo bilateral, a cooperação só pode se desenrolar por via judicial. Dessa forma, foi necessário notificar o Ministério Público Federal para que oficiasse junto à 6ª Vara Criminal Federal e à 13ª Vara da Fazenda Pública. O compartilhamento só foi efetivado em dezembro de 2010.

A Suíça, ainda em março de 2010, solicitou a cooperação brasileira na apuração das denúncias lá, uma vez que parte do dinheiro envolvido nas transações criminosas teria sido depositada em bancos suíços. Os primeiros dados, relativos à empresa MCA e ao Banco Audi de Luxemburgo, chegaram ao Brasil em julho de 2011. Foram solicitadas ainda oitivas com determinadas testemunhas, o que foi encaminhado ao MPF em São Paulo e à Procuradoria Geral da República (PGR). Paralelamente, a Polícia Federal abriu o inquérito nº 0006881-06.2010.403.6181, mas só no último dia 25 de julho o procurador suíço enviou às autoridades os dados bancários solicitados, por meio de uma decisão denominada “conclusive decrees”, proferida em 14 e 24 de junho. Foi com base nisso que a Suíça já bloqueou cerca de 7,5 milhões de euros que estavam na conta conjunta de Fagali e Villas Boas, no Safdié. Tratou-se de uma decisão unilateral suíça e a cifra não é oficial – foi fornecida ao Ministério da Justiça por fonte informal. A Suíça só permite o uso dos dados enviados em procedimentos criminais.

Foto2: Revista Istoé

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