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Depoimento revela “operação Tabajara” para compra de vacinas

Cristiano Carvalho afirma em depoimento que foi procurado pelo Ministério da Saúde para intermediar venda de vacinas, afirmou existirem dois grupos negociando o insumo dentro da pasta, revelou encontro com uma série de militares e confirmou que soube do pedido de propina feito pelo governo
Depoimento revela “operação Tabajara” para compra de vacinas

Foto: Alessandro Dantas

O representante da empresa Davati no Brasil Cristiano Carvalho disse nesta quinta-feira (15) à CPI da Covid que viu na venda de vacinas uma oportunidade. Foi assim que ele passou a intermediar a venda de 400 milhões de doses que, supostamente, a empresa Davati teria para oferecer ao governo Bolsonaro.

Ele afirmou aos senadores que o ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias o procurou insistentemente para negociar vacinas contra Covid-19 e que ele nunca procurou o governo diretamente para oferecer o produto.

A Davati está no centro das denúncias de um pedido de propina de US$ 1 por dose do imunizante da AstraZeneca, que teria sido feito por Roberto Dias a Luis Paulo Dominguetti, intermediário da venda em nome da Davati. A farmacêutico AstraZeneca negou qualquer relação com a Davati.

Cristiano Carvalho contou à CPI que, durante as negociações, houve a participação de uma série de coronéis das Forças Armadas. O primeiro militar citado foi Gláucio Octaviano Guerra, coronel reformado da Aeronáutica. Ele atua como assessor do adido militar na embaixada brasileira em Washington. Segundo Cristiano, foi Guerra quem o apresentou a Herman Cardenas, CEO da Davati nos Estados Unidos.

Nas negociações, segundo Cristiano, também foram oferecidas vacinas da Janssen ao Ministério da Saúde. Cristiano não soube explicar se a Davati teria essas vacinas. Disse responder apenas pelas questões comerciais da empresa.

Cristiano relatou que participou, em 12 de março, de reunião no Ministério com a presença de vários militares. “Me levaram ao Ministério da Saúde o reverendo Amilton, o [Luis Paulo] Dominguetti, o coronel Hélcio Bruno, do Instituto Força Brasil. Nas dependências do Ministério [da Saúde], estavam o coronel Boechat, o coronel Pires e o coronel e secretário Élcio Franco”, relatou aos senadores.

Foto: Alessandro Dantas

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) criticou a presença de tantos militares envolvidos numa operação de compra de vacina com tantos indícios de corrupção praticados. Para Rogério, é muito grave a CPI ter descoberto que a empresa vendia vacinas que não tinha, mas mais grave são membros do governo negociando propinas na compra desses insumos.

“Estamos falando do coronel Guerra, do coronel Boechat, do coronel Élcio Franco, do coronel Hélcio Bruno. Ou seja, temos uma associação de vários coronéis em torno dessa operação Tabajara”, criticou.

Pedido de “comissionamento”
Cristiano Carvalho relatou aos senadores durante o depoimento que o policial militar Luiz Paulo Dominghetti lhe informou sobre um pedido de “comissionamento” na negociação de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca. Disse ainda que, segundo Dominghetti, o pedido partiu do “grupo do tenente-coronel Blanco”.

“A informação que veio a mim, vale ressaltar isso, não foi o nome propina, tá? Ele usou comissionamento. Ele se referiu a esse comissionamento sendo do grupo do tenente-coronel Blanco e da pessoa que o tinha apresentado ao Blanco, que é de nome Odilon”, afirmou.

Cristiano ainda disse existirem dois grupos atuando dentro do Ministério da Saúde: o do ex-secretário-executivo Élcio Franco e o de Roberto Dias, do qual fazia parte o coronel Blanco.

Foto: Alessandro Dantas

Na avaliação do senador Humberto Costa (PT-PE), o depoimento de Cristiano Carvalho esclareceu como o governo Bolsonaro tratou com completa incompetência e insensibilidade o tema da pandemia no Brasil enquanto milhares de pessoas morriam pela falta de vacinas em solo brasileiro.

O senador lembrou a diferença de tratamento que a Davati recebeu no Brasil e no Canadá, onde a empresa é investigada por tentar vender vacinas contra Covid-19 a grupos indígenas.

“O senhor deixou a nu o que é o governo brasileiro hoje. Diante de uma empresa que não tem credibilidade, não tem credenciais para poder negociar um insumo tão importante como a vacina, que já havia sido vítima de denúncias no Canadá por tentar dar um golpe. Só que lá é diferente, não seguiu em frente. Aqui chegou no secretário-executivo do Ministério da Saúde”, disse.

“É para essa gente que o Brasil está entregue. Enquanto isso o Brasil já tinha centenas de milhares de pessoas mortas por causa da incompetência, da inoperância, da insensibilidade desse governo. E o Ministério da Saúde cheio de pessoas em busca algum benefício pessoal. Isso se chama desgoverno”, concluiu o senador Humberto Costa.

Governo admite que cloroquina não funciona
O senador Humberto Costa (PT-PE) destacou na CPI a nova posição do governo sobre a cloroquina não ter nenhuma eficácia no tratamento de pacientes de Covid-19.

“A posição que o Ministério da Saúde tem hoje é de que a cloroquina não tem nenhuma eficácia no tratamento da Covid-19 e, além do mais, não há nenhum estudo acontecendo no Ministério [da Saúde] para eventualmente avaliar a aplicação ambulatorial ou precoce como eles [apoiadores do governo] costumam dizer”, destacou.

Além disso, o senador apontou para o fato de o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ter mentido à CPI da Covid quando, em seu depoimento, disse que havia solicitado que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) faria, a seu pedido, análise sobre a eficácia do medicamento no tratamento da doença.

“A Conitec afirma que o ministro Queiroga não fez nenhuma solicitação sobre tratamento. Não há nenhum pedido no âmbito da Conitec para análise de incorporação da cloroquina para tratamento da Covid-19. O ministro Queiroga mentiu à CPI nos afirmando que solicitou à Conitec posicionamento sobre a utilização desses medicamentos conforme foi noticiado até ontem”, enfatizou.

Para Humberto, é fundamental que a CPI investigue os motivos que levaram o governo Bolsonaro a propagar o consumo dos medicamentos ineficazes que compõem o kit covid ao longo da pandemia em detrimento da busca por vacinas.

“É importante relatar que esta CPI também recebeu o registro da movimentação do faturamento de empresas que produzem o chamado kit covid e o crescimento ao longo da pandemia foi de, no mínimo, R$ 500 milhões, podendo chegar a até R$ 1 bilhão. O que demonstra que essa coisa que parecia inocente de recomendar o uso desse kit de medicamentos não é tão inocente assim”, disse.

Requerimentos aprovados
A CPI também aprovou nesta quinta requerimentos de informações e acesso a documentos envolvendo a aquisição da vacina indiana Covaxin. Os pedidos envolvem a Polícia Federal, o Ministério da Saúde, a Receita Federal, o Exército Brasileiro e a Precisa Medicamentos.

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