“PEC da Morte” é remédio amargo e ineficiente, afirma economista da USP

“PEC da Morte” é remédio amargo e ineficiente, afirma economista da USP

Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos, especialistas demonstram erros na proposta do governoCyntia Campos/ PT no Senado

 

Além de não curar o doente, o remédio preconizado pelo governo Temer para a economia brasileira tem grande chance de matar o paciente, aponta a professora Laura Carvalho, do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP). Ela participou, desta terça-feira (11), da audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) para debater a chamada “PEC da Morte”, a proposta de emenda à Constituição 241, que pretende congelar os investimentos públicos ao longo de duas décadas.

Além de Laura, a CAE ouviu Jessé de Souza, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF). A senadora Gleisi Hoffmann, presidente da CAE e proponente da audiência pública, lamentou que outros dois palestrantes, convidados para apresentar um ponto de vista favorável à PEC 241, tenham declinado da oportunidade de defender a proposta. Mansueto Facundo de Almeida Júnior, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, e Felipe Salto, economista e mestre em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), avisaram apenas na noite da última segunda-feira (10) que não poderiam comparecer ao debate.

Quadro sombrio
Laura Carvalho e Jessé de Souza, entretanto, não se esquivaram de apresentar aos senadores um quadro sombrio sobre as sequelas que a PEC 241 acarretará à economia brasileira, caso venha a ser aprovada pelo Legislativo — na noite de segunda-feira, a matéria foi aprovada em primeiro turno pela Câmara dos Deputados e precisará passar ainda por nova votação naquela Casa antes de chegar ao Senado para ser analisada.

Laura Carvalho, professora de Economia da USP, aponta que a origem da atual crise é a queda de arrecadação, não o aumento de gastos públicos, como sustentam os apoiadores da “PEC da Morte”. É uma crise de receita, fruto da desaceleração da economia, e também resultado das políticas de desoneração fiscal concedidas a diversos setores. Essas desonerações, lembra ela, ainda estão em vigor, têm um grande impacto da arrecadação e a PEC 241 não toca nisso.

A professora ressalta que no último ano e meio—no governo Dilma, portanto—o País iniciou um processo de ajuste fiscal muito mais profundo do que o que está proposto na PEC 241. Houve um corte de 2,5% de despesas efetivas que não foi capaz de fazer aquilo que os defensores da PEC 241 alardeiam, que seria a redução da taxa de juros, o controle da dívida pública, a redução do déficit fiscal, provocando a retomada da confiança do crescimento econômico. “Nada disso ocorreu com um ajuste fiscal muito mais brutal do que aquilo que a PEC se propõe a realizar”, lembra Laura Carvalho.

Golpe nas políticas distributivas
Para  a economista, o amarguíssimo remédio prescrito na “PEC da Morte”—o congelamento dos investimentos públicos por 20 anos, amarrando os próximos cinco presidentes da República ao receituário de Temer e cassando a prerrogativa do Congresso de definir o orçamento—não será capaz de resolver os reais problemas da economia.

“Essa PEC não estabiliza a dívida pública. Não reduz o déficit, não controla a inflação”, pontos fundamentais para reverter o atual cenário econômico, alerta. Além disso, a proposta – que é de uma crueldade rara com as políticas sociais e com o futuro do País – sequer consegue ter um efeito, ainda que pontual, na atual conjuntura econômica. “No curto prazo, a PEC é frouxa”, resume Laura, ficando muito aquém do ajuste realizado no governo Dilma.

O cerne da proposta, ressalta Laura, é outro. É a forte redução do tamanho do Estado no longo prazo —“que não garante estabilização da dívida, nada diz sobre juros, nada diz sobre crescimento”—mas compromete o pouco que o País conseguiu avançar em políticas distributivas e voltadas para a superação da imensa desigualdade que é a marca histórica do Brasil.

Mito da “confiança”
Laura Carvalho também duvida de que a aprovação da PEC 241 tenha o condão de contribuir para a falada “retomada da confiança” e do crescimento econômico. Ela lembra que a “confiança” da indústria vem aumentando muito, desde o impeachment da presidenta Dilma, como apontam pesquisas reiteradamente publicadas pela grande imprensa. Essa “confiança”, porém, não se expressa na produção industrial. Os dados mais recentes, por exemplo, mostram uma queda da produção em 21 setores da indústria, resultado que só é pior que o registrado em agosto de 2012.

“Tivemos a maior queda de produção industrial, enquanto a confiança da indústria aumentava. Há um completo descolamento entre o que se chama de ‘confiança’ e o que de fato está acontecendo na economia real”. O Prêmio Nobel de Economia (2008) Paul Krugman já alertou para os parcos poderes do que ele chamou de “A Fada da Confiança”, lembrou Laura. A aprovação da PEC 241, ressalta ela, pode até aumentar a confiança, mas não conseguirá reverter a realidade: empresas muito endividadas, que não conseguem realizar seus compromissos financeiros, com rentabilidade em queda, capacidade ociosa crescente, acumulam estoques.

“Nada indica que o problema da indústria é a ‘falta de confiança. Há um problema real e concreto. Empresários não vão querer aumentar ou ampliar a sua capacidade produtiva, investindo e comprando novas máquinas enquanto eles não estiverem utilizando e vendendo aquilo que eles poderiam vender. Essa mágica não aconteceu no ano passado, com uma contração de despesas efetivas da ordem de 2,5% [no governo Dilma]. Por que ela aconteceria apenas com o indicativo de um ajuste fiscal que só seria implementado, de fato, em 2019, quando a PEC passasse a ser contracionista?”, questionou

Alternativas
Laura Carvalho garante que há alternativas a esse remédio amargo e inócuo para resolver o déficit fiscal. Entre elas, uma reforma tributária que equilibre de maneira mais equânime a distribuição da carga tributária—atualmente, 53% dos tributos são arrecadados dos brasileiros que ganham até três salários mínimos. Outro ponto essencial é rever o conjunto de desonerações fiscais concedidas, sem contrapartidas, a diversos setores da indústria.

São desonerações custosas, que ainda estão em vigor. “Por que a gente não está discutindo isso? Por que a gente está discutindo cortar a saúde, cortar a educação, cortar salário mínimo, impedir aumento real, e não discute desonerações, ou seja, reduções de impostos concedidas para grandes empresários, em diversos setores?”.

 

Cyntia Campos

 

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