luta antimanicomial

Saúde mental: CDH adere à luta contra “holocausto brasileiro”

Debatedores de encontro na Comissão de Direitos Humanos (CDH) focam críticas a portaria e edital do governo que esvaziam Lei Antimanicomial e abrem caminho para tratamentos ultrapassados
Saúde mental: CDH adere à luta contra “holocausto brasileiro”

Foto: Agência Senado

 

Uma portaria e um edital do governo federal são hoje o principal alvo de especialistas e entidades da sociedade civil dedicadas à saúde mental. Eles tentam impedir o retorno do que chamam de “holocausto brasileiro”, como foi chamada, de forma unânime em debate nesta segunda-feira (18) na Comissão de Direitos Humanos (CDH), a atuação dos manicômios, das comunidades terapêuticas e dos hospitais psiquiátricos, que aos poucos estão ressurgindo ano país por orientação política do governo Bolsonaro, em mais um ataque aos direitos humanos, agora contra uma política de Estado construída ao longo dos últimos 30 anos.

O debate, coordenado pelo presidente da CDH, Humberto Costa (PT-PE), deixou clara a indignação dos participantes com os retrocessos no setor, consolidados em duas medidas específicas que esvaziam a Lei Antimanicomial, resultado da reforma psiquiátrica de 2001: a portaria 596/2022, do Ministério da Saúde, que elimina o Programa de Desinstitucionalização, destinado à reinserção social de pessoas com problemas de saúde mental e dependentes de drogas com longa internação, e o edital 3/2022, do Ministério da Cidadania, que destina R$ 10 milhões a projetos de hospitais psiquiátricos.

“São medidas ilegais que vão contra tratados internacionais e todas as diretrizes técnicas da OMS [Organização Mundial da Saúde]”, resumiu o presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental, Leonardo Pinho. A entidade, ao lado da Plataforma Brasileira de Drogas e de outras dezenas de instituições, produziram nota técnica conjunta para exigir a revogação da portaria e a suspensão do edital.

“Infelizmente, essas duas medidas não são exceções, mas estão inseridas num processo mais geral e continuado contra a reforma psiquiátrica no Brasil”, denunciou. “Essa foi uma política de Estado que consolidamos através da Lei 10.216, de 2001, construída por governos de matizes ideológicas diferentes, para pegar o dinheiro que antes ia para os manicômios, o ‘holocausto brasileiro’ para construir uma rede de base comunitária de atenção psicossocial”, lembrou.

A opinião foi compartilhada por todos os debatedores, inclusive Fernanda da Guia, integrante do Conselho Nacional de Saúde, que também fiscaliza e monitora as ações de saúde mental. “Hospital psiquiátrico não é lugar de tratamento, é lugar de tortura, completamente desalinhado com as diretrizes da reforma psiquiátrica”, acusou.

Ela reportou notas técnicas divulgadas pelas entidades que representam secretarias estaduais e municipais de saúde que também rechaçam a portaria e o edital, além das medidas de desmonte do setor adotadas desde 2017, pós-golpe de 2016. “É inadmissível que esse desmonte na política da saúde mental aconteça sem diálogo com a sociedade, uma vez que a reforma foi fruto de décadas de construção. É uma política pública de Estado, não de governo”, afirmou.

A pesquisadora Dayane Rosa, do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) informou que a portaria 596 deixa sem assistência pelo menos 6 mil pessoas com transtorno mental que eram atendidas com olhar de reinserção social. Segundo ela, não há dados sobre o número de pessoas que faziam esse atendimento, apenas um exemplo de um mal que atinge todo o setor.

“Há um apagão de dados que impossibilita a implantação de políticas publicas eficientes. O último boletim Saúde Mental em Dados é de 2015. O último Programa Nacional de Avaliação de Serviços Hospitalares Psiquiátricos é de 2018”, apontou.

Por outro lado, o orçamento para comunidades terapêuticas aumentou em R$ 100 milhões, e como elas estão vinculadas ao Ministério da Cidadania, não conseguimos dados para fiscalizar. Além disso, 13 estados não possuem nenhuma unidade de acolhimento. A saúde mental do brasileiro piorou”, concluiu.

O promotor de Justiça de Goiás Haroldo Caetano fez coro às denúncias apresentadas no debate. “Não podemos permitir tamanho retrocesso. Estamos diante de uma situação grave, ilegal e inconstitucional, mas compreensível por ser promovida por um governo abertamente fascista”, afirmou.

Já o defensor público federal Thales Treiger vê ação deliberada do governo Bolsonaro contra a reforma psiquiátrica. “Não é coincidência que haja estímulo à ambulatorização e ao mesmo tempo esvaziamento do sistema nacional antimanicomial. É uma política de não dar atenção para a sociedade que está intramuros, não apenas em presídios, mas também em entidades psiquiátricas. Governos não podem retroceder nas políticas públicas sem apresentar uma outra opção”, afirmou.

Na mesma linha, o senador Humberto Costa, que é médico na área, considerou que o retrocesso na saúde mental acompanha o vivenciado em todas as áreas que envolvem saúde e direitos humanos. “A reforma foi resultado de anos de trabalho em vários governos, e conseguimos implantar um sistema ambulatorial centrado nos direitos das pessoas com transtornos mentais. Essas mudanças almejam que retornemos ao modelo de exclusão social a que pessoas eram submetidas”, comparou.

Ele disse que já apresentou projeto de decreto legislativo para sustar a portaria e impedir a realização do edital, mas lembrou das dificuldades políticas de tramitação em comissões com maioria governista. Por isso, as audiências públicas na CDH têm o objetivo de expor os retrocessos.

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) se colocou à disposição das entidades para pressionar o Congresso no combate a essas duas medidas. “Isso é o que o fascismo faz: sucateia, desmerece o serviço, prende as informações numa caixa preta, porque sabe que informação é que empodera o povo. Ataque aos direitos humanos é o que a gente mais tem hoje. Na verdade, temos um governo que não tem nenhuma defesa pela vida, em todas as formas, humana, ambiental, animal”, lamentou.

“Mas temos o diagnóstico e sabemos qual o tratamento. Vamos revogar o que for necessário e lutar pra que esse desmonte não prossiga”, afirmou,

Também participaram do debate a deputada Érika Kokay (PT-DF) e o senador Flávio Arns (Podemos-PR).

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