Quando Chávez foi para Cuba para fazer sua última operação cirúrgica, começaram logo as especulações sobre o fim do chavismo e da revolução “bolivariana”. A feroz oposição conservadora e a mídia local e estrangeira não esconderam o seu contentamento com a perspectiva do fim do governo “ditatorial” e “populista” de Chávez.
Mas a reação do povo venezuelano foi imediata. Eles encheram as praças da Venezuela e gritaram em uníssono: Chávez somos nós! Eles enterraram aqueles que queriam enterrar o bolivarianismo.
Há, de fato, na Venezuela, uma profunda identificação da maioria da população venezuelana com Chávez e sua revolução bolivariana. E há também, é claro, uma disparidade abissal entre opinião publicada e opinião pública na Venezuela.
Quem lê os jornais conservadores venezuelanos ou brasileiros fica com a nítida impressão de que, até ontem, a Venezuela era governada por um feroz ditador, um político demagogo que “afundou o país”.
Entretanto, esse “feroz ditador”, esse “caudilho demagogo”, morreu gozando de grande popularidade, tendo vencido todas as eleições que disputou. Na última, derrotou o seu adversário com uma diferença de 12% dos votos válidos, sem conseguir fazer campanha e com toda a intensa campanha contrária da mídia venezuelana.
Como isso é possível?
Ora, para entender o “fenômeno Chávez” é preciso fazer a mesma coisa que é preciso fazer para se entender o “fenômeno Lula”. É necessário esquecer o mundo fantasioso e autorreferenciado da mídia conservadora e analisar, sem preconceitos e ideias preconcebidas, as profundas mudanças que as novas experiências políticas da América do Sul provocaram em suas sociedades.
Com efeito, a Venezuela era um país antes de Chávez e tornou-se um país completamente diferente, depois de seus 14 anos de governo.
Como no Brasil de Lula e Dilma, o fator crucial da popularidade e do êxito do governo Chávez foi a forte redução da pobreza e das desigualdades.
E isso só foi possível porque o governo chavista recuperou, logo no seu início, o controle da companhia nacional de petróleo PDVSA. Com tal controle, Chávez passou a utilizar as receitas do petróleo não mais para o benefício de uma pequena classe de rentistas, como em governos anteriores, mas para construir a infraestrutura necessária ao desenvolvimento do país e investir em serviços sociais para a população secularmente excluída.
Houve a implantação de uma série bastante diversificada de programas sociais e, nos últimos dez anos, o governo já havia aumentado os gastos sociais em 60,6%.
Sim, o governo Chávez é culpado de usar o dinheiro do petróleo em benefício da economia nacional e da maioria da população excluída. Os acionistas chiaram, mas a população agradeceu. Qualquer semelhança com a Petrobras dos governos Lula\Dilma não é mera coincidência.
Os resultados não se fizeram esperar.
A desigualdade, medida pelo índice de Gini, foi reduzida em 54%. A pobreza despencou de 70,8%, em 1996, para 21%, em 2010, e a extrema pobreza caiu de 40%, em 1996, para 7,3%, em 2010.
São números assombrosos, sem dúvida. Números que colocam a Venezuela como o país que mais evoluiu no cumprimento das Metas do Milênio, segundo a ONU.
No entanto, o que mais assombra é a realidade da era pré-Chávez. De fato é assombroso que, antes do governo bolivariano, a Venezuela, um país com uma das maiores reservas de óleo do mundo, tinha 70% de sua população abaixo da linha da pobreza e 40% do seu povo na pobreza extrema. Isso diz tudo sobre os governos anteriores.
Hoje, porém, cerca de 20 milhões de pessoas se beneficiam dos programas de combate à pobreza, chamados de “missões”. Hoje, 2,1 milhões de idosos recebem pensão ou aposentadoria, ou seja, 66% da população da chamada terceira idade. Antes, apenas 387.000 idosos venezuelanos tinham tal tipo de benefício. A maioria simplesmente vivia à míngua.
Antes do governo de Chávez, em 1998, 21% da população estavam subnutridos. É isso mesmo. No país que, como Celso Furtado escreveu em 1974, tinha tudo para se tornar a primeira nação latino-americana realmente desenvolvida, 1 em cada 5 habitantes passava fome. Essa era a Venezuela dos Capriles e da “oposição democrática”.
Hoje, a desnutrição é de apenas 5%, e a desnutrição infantil 2,9%.
A Venezuela tem agora uma rede de distribuição de alimentos subsidiados para mercearias e supermercados. Cinco milhões de venezuelanos recebem comida de graça, quatro milhões dos quais são crianças em idade escolar.
Em 1980, 90% dos alimentos eram importados. Hoje, a percentagem é inferior a 30%. Foram implantadas políticas de reforma agrária e agrícolas que aumentaram extraordinariamente a oferta interna de alimentos. Atualmente, 454 mil agricultores familiares recebem créditos para produzir, e foram construídas 6.000 cozinhas comunitárias que alimentam 900.000 pessoas.
Educação, o principal determinante da saúde e da pobreza, é onde o governo bolivariano colocou ênfase especial, atribuindo-lhe mais de 6% do PIB. O resultado é que, hoje, a UNESCO reconhece a Venezuela como país livre de analfabetismo. Do jardim de infância à universidade, a educação é gratuita. 72% das crianças frequentam escolas públicas e 85% das crianças e adolescentes em idade escolar frequentam a escola. Há milhares de novas escolas, entre as quais se incluem 10 novas universidades. Após o chavismo, a Venezuela é o segundo país da América Latina e o quinto no mundo com maior proporção de estudantes universitários.
Em relação à saúde pública, é preciso ressaltar que a mortalidade infantil diminuiu de 25 por mil, em 1990, para apenas 13 por 1000, em 2.010. Hoje, 96% da população já tem acesso à água potável. Em 1998, havia 18 médicos por 10.000 habitantes, atualmente são 58. Os governos anteriores ao de Chávez construíram 5.081 clínicas ao longo de quatro décadas, enquanto que, em apenas 13 anos, o governo bolivariano construiu 13.721, um aumento de 169,6%. Barrio Adentro, o programa de atenção primária à saúde que recebe a ajuda de mais de 8.300 médicos cubanos, salvou cerca de 1,4 milhões de vidas.
Além disso, em 2011, 67 mil venezuelanos receberam medicamentos gratuitos para o tratamento de alto custo de 139 patologias, como câncer, hepatite, osteoporose, esquizofrenia. Antes, isso sequer era cogitado pelos “democratas venezuelanos”. Há também uma rede de farmácias públicas que vendem medicamentos a preços subsidiados. Qualquer semelhança com o nosso Farmácia Popular não é mera coincidência.
Após as grandes inundações de 2008, o governo de Chávez deu início a um ambicioso programa de habitações populares. Já foram construídas e entregues 250 mil casas. Trata-se de um dos maiores programas de habitação popular da América Latina.
E tudo isso foi conseguido sem debilitar, de forma alguma, a economia da Venezuela. Com efeito, ao contrário do que diz a imprensa conservadora, que vaticina, há anos, que a economia da Venezuela sob Chávez não é sustentável, os números são positivos.
A dívida pública da Venezuela foi reduzida, no governo Chávez, de 20,7% para 14,3% do PIB. Trata-se de um número extremamente baixo, principalmente quando levamos em consideração a crise mundial e a redução dos preços internacionais do petróleo. Não houve, portanto, nenhuma “gastança populista”. Além disso, a economia venezuelana cresceu 47,4% em dez anos, ou seja, 4,3% ao ano. Uma cifra considerável, num ambiente de profunda crise global.
Com isso, o desemprego caiu 11,3%, em 2008, para 7,7%, em 2011. Ademais, dobrou o número de pessoas que recebem benefícios da Previdência Social, graças, em grande parte, à forte formalização do mercado de trabalho venezuelano.
Um grande mérito do governo Chávez tem sido o investimento na diversificação da atividade produtiva, tanto no campo, como já mencionado, quanto na área industrial. Hoje, ao contrário do que diz a mídia conservadora, o orçamento da Venezuela já é menos dependente do petróleo do que na era pré-Chávez. Atualmente, cerca de 50% das receitas venezuelanas vem da cobrança de impostos e não mais da venda direta de petróleo e gás. Ainda falta muito para a Venezuela superar a sua dependência econômica dessa commodity, mas o fato concreto é que o governo Chávez fez mais do que todos os outros governos anteriores.
Chávez também fez muito mais no campo da política externa. A política externa venezuelana anterior à de Chávez privilegiava as suas “relações privilegiadas com os EUA”, em detrimento das suas relações com a América do Sul e com a América Latina de um modo geral.
Chávez rompeu com esse paradigma de país periférico e investiu na integração regional e no eixo estratégico da geoeconomia e geopolítica Sul-Sul, com destaque para as relações bilaterais com o Brasil, o que acabou conduzindo à adesão da Venezuela como membro pleno do Mercosul, algo que nos beneficia muito. A Venezuela chavista tornou-se uma grande parceira do Brasil, comprando vorazmente nossos produtos e recompensando-nos com elevados superávits comerciais e com forte apoio político à integração do nosso subcontinente. Chávez era, sobretudo, um grande amigo do Brasil.
Mas o principal mérito de Chávez foi ter implodido o conservador e excludente modelo político venezuelano, baseado no Pacto de Punto Fijo. Mediante tal pacto, os dois principais partidos conservadores da Venezuela, o COPEI e a URD, se revezavam no poder, sem dar chance a novas forças políticas e aos anseios da maioria da população excluída. Essa era a “democracia” da Venezuela. Essa era “alternância de poder” pré-Chávez
Uma democracia tão receptiva ao povo que, em 1989, quando houve protestos populares contra as medidas de austeridade do governo conservador de Carlos Andrés Pérez, cerca de 3.000 venezuelanos foram massacrados nas ruas de Caracas, no episódio que ficou conhecido como o “caracazo”. Durante meses, as favelas de Caracas foram sitiadas por forças militares. Essa era a democracia das Venezuela: os pobres eram os inimigos. Os inimigos sem rosto, sem voz e sem vez.
Com Chávez, assim como com Lula, Morales, Rafael Correa e outros, aqueles que não tinham voz e vez passaram a se fazer ouvir e a se fazer cidadãos. Passaram a comer, a se educar, a morar. Deixaram de ser invisíveis, miseráveis anônimos, e passaram a ser sujeitos da história. Agora têm rosto, têm identidade. São humanos. Não ficam mais “em seu lugar”. Ascendem, se superam, sonham e querem mais. É isso que assusta os conservadores. É isso que provoca o ódio dos xiitas da desigualdade.
É isso que os fazem gritar: Chávez somos nós!
E o povo, vocês sabem, não morre.
*Marcelo Zero é assessor técnico da Liderança do PT no Senado