Como ex-ministros da Saúde, temos o dever de reiterar nosso posicionamento contrário à comercialização dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), conhecidos como “vapes” ou cigarros eletrônicos.
A proibição desse aparelho foi realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2009 e ratificada em 2022. Por interesses da indústria do tabaco, no entanto, um novo projeto de lei foi apresentado no Senado Federal em 2023, fazendo necessário que saiamos, uma vez mais, em defesa da saúde pública.
Incontáveis estudos mostram que o cigarro eletrônico faz mal à saúde. As substâncias presentes nele estão relacionadas ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral, câncer e inflamação dos pulmões. Além disso, o dispositivo traz risco de explosão da própria bateria, que pode causar lesões e morte. O cigarro eletrônico contém elevadas concentrações de nicotina e níveis significativos de metais como alumínio, associado ao enfisema pulmonar; cromo, relacionado ao câncer de pulmão; níquel, também ligado ao câncer de pulmão e do seio nasal; e cobre, causador de danos ao fígado, rins e pulmões.
A desinformação é importante indutora do crescimento do uso do vape. A propaganda da indústria de “redução de danos” é falsa e jamais se confirmou. Ao contrário: as evidências revelam que seus componentes químicos, além de prejudiciais à saúde, viciam e aumentam a dependência.
O Brasil tem sido modelo na luta contra o tabagismo em âmbito global. Em função de décadas de esforços, ocorreu clara redução no consumo de tabaco, que, entre adultos, foi de 34% em 1996 para 11% em 2023, com benefícios evidentes aos indivíduos e à sociedade em geral.
Esses avanços são, em parte, atribuídos a medidas regulatórias, tais como a proibição da propaganda de produtos de tabaco, por meio do decreto 5.658/2006, que promulgou a Convenção-Quadro para o Controle do Uso do Tabaco; a lei 12.546/2011, que instituiu os ambientes livres de tabaco; e o decreto 8.262/2014, que aumentou espaços de advertências e imagens antifumo nas embalagens de produtos fumígenos e proibiu a venda a menores de 18 anos, entre outras medidas. A interdição dos cigarros eletrônicos mantém a coerência de uma política voltada para preservar a saúde tanto individual quanto coletiva.
Entretanto, esses avanços estão sob ameaça. Em pesquisas recentes do IBGE, já se observa que a experimentação de cigarro eletrônico entre escolares de 13 a 17 anos atingiu 16,8%, em 2019, e o uso regular de qualquer produto do tabaco, nesta faixa etária, aumentou de 9%, em 2015, para 12%, em 2019.
A liberação da venda de vapes ampliaria o acesso e a oportunidade de consumo entre os jovens e promoveria a falsa ilusão de que o produto é menos nocivo. O amplo comércio, aliado à limitada capacidade de fiscalização, proporcionaria aos menores mais chances de iniciar ou manter seu vício desde cedo, com todos os riscos associados à saúde que isso traria.
Diante das evidências científicas, da natureza dos riscos vinculados ao uso de cigarros eletrônicos e de seu elevado potencial para adição e vício, em especial na juventude, e visando prevenir um aumento do seu consumo, torna-se imperativo manter sua proibição no Brasil.
Conclamamos, assim, os senadores a afastarem essa ameaça e manterem a interdição dos DEFs no país. Todos temos o compromisso de nos engajarmos no esforço da sociedade brasileira em defesa da saúde pública e, especialmente, das nossas crianças e adolescentes.
Arthur Chioro
Humberto Costa
José Agenor Álvares da Silva
José Gomes Temporão
José Saraiva Felipe
José Serra
Luiz Henrique Mandetta
Nelson Teich
Ex-ministros da Saúde
Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo no dia 13 de abril de 2024