A frase da cineasta Maria Augusta Ramos, em entrevista ao jornal alemão Junge Welt, define com precisão o momento atual. Não vivemos a normalidade democrática, institucional, tal qual acordado no processo constituinte de 1988. Pode-se até empurrar goela abaixo da sociedade brasileira uma pretensa normalidade, com uma dose cavalar de manipulação midiática, mas de normal essa situação não tem nada.
O tripé que sustentou a Constituição até agora está sendo desmontado. A democracia formal, de baixa intensidade, baseada no voto universal e em eleições livres e democráticas, começou a ser desconsiderada com o impeachment da Presidenta Dilma. Continua a ser atacada com o objetivo de proibir Lula de participar das eleições. Que democracia nos sobrará?
As garantias sociais mínimas, outro pacto da Constituição, explicitado com a inclusão da Seguridade Social, direito mínimo do povo à saúde, assistência e previdência, e reforço à educação, foram dizimadas com a emenda constitucional 95 e as nefastas reformas que vieram em seguida. Que bem-estar o Estado brasileiro dará ao seu povo?
E a soberania, o que estão fazendo com ela? A submissão novamente aos interesses e orientações dos norte-americanos, inclusive na atuação do poder de polícia, a exemplo da intervenção no Rio de Janeiro e da formação da Polícia Federal e do Ministério Público com a CIA e o FBI, é uma realidade. Arremate-se aqui com o desmonte da Petrobras e, agora, com a venda da Eletrobrás. O que vai ser da soberania brasileira depois desses ataques?
Vivemos um momento diferente, se não totalmente em um regime de exceção, caminhamos para ele a passos largos, sem qualquer sombra de dúvida. O mundo inteiro sabe que sofremos um golpe e vê o Brasil com incredulidade. E tristeza. Um país que garantiu espaços importantes de protagonismo e de liderança internacional para a busca de soluções às grandes mazelas da nossa civilização, como a fome, a desigualdade social e a dependência econômica, foi de repente rebaixado a uma postura de submissão humilhante.
A imprensa internacional tem narrado com mais isenção os fatos e levantado os questionamentos que por aqui não são feitos, exceto por veículos independentes, blogs de esquerda e lideranças populares. Algumas pessoas até se surpreendem quando tomam conhecimento da repercussão externa e da consciência que se tem lá fora quanto à gravidade do problema que estamos enfrentando, tão aclimatadas que estão com a polarização política e com a apatia ou banalização desse quadro.
A aclamação e premiação no Festival de Cinema de Berlim do filme de Maria Augusta Ramos, O Processo, que fala sobre o impeachment de Dilma, é uma mostra clara do que o mundo está pensando a nosso respeito.
Infelizmente, o Brasil hoje é refém de uma elite perversa, misógina, racista e homofóbica, que o envergonha no plano internacional e traz tristeza e infelicidade ao seu povo.
Até censuras às produções artísticas e culturais voltaram ao uso. Recentemente, ganhou repercussão nas redes sociais e sites a investida para a proibição pelo Ministério da Educação (MEC) da disciplina “Tópicos Especiais em Ciência Política 4: O golpe de 2016 e a democracia”, a ser ministrada na Universidade de Brasília (UnB) a partir deste ano letivo. Os ataques à UnB e ao professor idealizador da matéria, Luiz Felipe Miguel, ferem a autonomia universitária. O professor recebeu inúmeras manifestações de solidariedade e a disciplina, que visa a debater a realidade no ambiente da produção do conhecimento por excelência que é a universidade, já tem até lista de espera, segundo noticiam alguns veículos de comunicação.
As eleições de 2018 podem começar a recolocar o país nos eixos, desde que respeitados os princípios do voto universal e de eleições livres e diretas. Isso inclui a participação de Lula. Um impedimento seu, que seria o único em todos os casos da Lava Jato, só consumará o estado de exceção.
A defesa persistente e forte que fazemos da candidatura Lula é a defesa do pacto constitucional de 1988, a defesa da jovem democracia brasileira, que alcançou seu período contínuo mais duradouro. Não ter essa clareza é flertar com o autoritarismo, qualquer que seja a justificativa.
O PT não tem apenas o direito de lançar a candidatura de Lula à Presidência da República, mas o dever para com a sociedade brasileira e com a história do nosso povo de sustentá-la. Restaurar a democracia é garantir a candidatura de Lula e o direito do povo brasileiro de votar em quem representa a esperança de voltarmos a ser uma nação respeitada e capaz de assegurar condições de vida digna para a população.
Por isso nossa resistência, persistência e luta. Não vacilaremos!
*Gleisi Hoffmann é senadora da República e presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores.