Soberania nacional

Com “acordo” de Alcântara, Temer entrega até espaço sideral

O grande objetivo do Acordo de Alcântara é colocar o programa espacial brasileiro na órbita estratégica dos EUA e impedir o desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites por parte do Brasil
Com “acordo” de Alcântara, Temer entrega até espaço sideral

Foto: Divulgação

Sem vozes dissonantes, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado realiza, na noite desta segunda-feira (27), uma audiência pública para discutir o acordo Brasil-Estados Unidos sobre o uso da Base de Alcântara, no Maranhão. Com três palestrantes governistas —Alvani Adão da Silva, chefe de Assuntos Estratégicos do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, José Raimundo Braga Coelho, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB) e Hussein Kalout, secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República—dificilmente a reunião debaterá o conteúdo lesivo ao interesse nacional desse protocolo.

O governo Temer está tentando ressuscitar um acordo elaborado no ano 2000, quando os EUA e o Brasil (sob gestão tucana) assinaram acordo bilateral para permitir que empresas norte-americanas pudessem usar a Base de Alcântara para lançar os seus satélites. Sob o pretexto de “gerar recursos” — que previsões eufóricas sugeriam chegar aos US$ 30 milhões por ano — empresas norte-americanas se aproveitariam da localização estratégica de Alcântara quem por sua proximidade com a linha do Equador, permite a realização de lançamentos de foguetes a custos significativamente mais baixos.

Condições draconianas
“O problema é que o governo dos EUA impôs condições draconianas e atentatórias à soberania nacional para permitir que as suas empresas usassem a Base de Alcântara”, recorda o sociólogo Marcelo Zero, assessor técnico da Bancada do PT na área de Relações Internacionais e Soberania Nacional. Na época da discussão sobre o acordo—que precisava ser ratificado pelo Congresso — a oposição, liderada pelo PT e com o apoio até dos partidos da situação, conseguiu impedir a aprovação do acordo na Câmara.

Como explica Marcelo Zero, o Acordo de Alcântara tem apenas um objetivo manifesto: proteger tecnologia sensível de origem norte-americana (satélites, foguetes, etc.) de apropriação indevida. O texto firmado em 2000 tem dois tipos de cláusulas: salvaguardas tecnológicas e salvaguardas políticas. “Estas últimas não têm qualquer relação com o objetivo manifesto do acordo e não constam de qualquer outro acordo de salvaguardas tecnológicas firmados entre os EUA e outros países”, explica o assessor.

Cláusulas lesivas
Entre as cláusulas consideradas lesivas aos interesses brasileiros estão a proibição de usar o dinheiro arrecadado com os lançamentos no desenvolvimento do veículo lançador-VLS, a vedação ao Brasil de cooperar com países que não sejam membros do MTCR (sigla em inglês da parceria internacional Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis), a possibilidade de os EUA vetarem unilateralmente qualquer lançamento de foguetes, com base em critérios políticos , e o direito dos norte-americanos controlarem “áreas restritas” dentro da Base de Alcântara.

As salvaguardas exigidas pelos americanos interferem em programas estratégicos para o Brasil, como o desenvolvimento de um veículo lançador de satélites (além de pretender definir o que o País fará com verbas arrecadadas com a Base de Alcântara). Também interfere na autodeterminação brasileira de buscar parceiros para a cooperação tecnológica, além de conceder soberania a um país estrangeiro sobre equipamento construído pelo Brasil e instalado em território nacional.

“No caso dos outros acordos de salvaguardas tecnológicas firmados pelos EUA com a Rússia, China, Cazaquistão e Ucrânia essas cláusulas políticas não estão presentes, porque tais países já dispõem da tecnologia do veículo lançador de satélites, além de saberem defender melhor a sua soberania”, ressalta Marcelo Zero. O texto do acordo de Alcântara chega a proibir o Brasil de revistar o material que os EUA fizerem ingressar na base—o texto prevê que os “containers” lacrados que virão dos EUA não poderão ser abertos enquanto estiverem em território brasileiro.

Controlar o Brasil
“O grande objetivo do Acordo de Alcântara é colocar o programa espacial brasileiro na órbita estratégica dos EUA e impedir o desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites por parte do Brasil”, alerta Marcelo Zero. O veículo lançador permitiria ao Brasil dominar todo ciclo da tecnologia espacial e ser um ator importante no mercado de lançamentos de satélites. “Afinal, temos uma base de localização privilegiada, que permite lançamentos comparativamente baratos, e um acordo com a China para o desenvolvimento conjunto de satélites. Só nos falta o veículo lançador para que o nosso grande potencial nessa área crítica da tecnologia possa se concretizar”.

Aliás, uma das condições impostas por Washington para a concretização do acordo foi justamente a extinção do programa do VLS brasileiro.

Neovira-latas
É esse acordo altamente lesivo aos interesses brasileiros, sepultado pelo Congresso Nacional, que não o ratificou, que Temer quer ressuscitar—certamente apostando na atual composição da Câmara dos Deputados, em cuja Comissão de Constituição e Justiça da Câmara o texto está travado e engavetado. Supostamente, haveria novas “negociações” com o governo Trump, buscando condições “mais favoráveis” ao Brasil.

“Não vamos nos enganar: o acordo voltará de Washington tal como saiu em abril de 2000. O zumbi de Alcântara terá o mesmo corpo, o mesmo texto, o mesmo odor pútrido. Afinal, os EUA sabem defender os seus interesses”, ressalta o assessor da Bancada petista. “Quem não sabe ou não quer defender os interesses de seu país é o governo neovira-lata do golpe”.

Com essa “renegociação”, alerta Zero, “o governo usurpador e antinacional assume que, no campo aeroespacial, assim como em outras áreas estratégicas, o Brasil será mero exportador de commodities. No caso, uma commodity geográfica. Supriremos os EUA com uma localização geográfica privilegiada. E nada mais. Nada de veículo lançador próprio. Nada de satélites competitivos”.

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