Desesperado para ter um programa social para chamar de seu em 2022, quando tentará a reeleição, Jair Bolsonaro decidiu acabar com o Bolsa Família, o melhor programa de combate à pobreza do mundo, para colocar no lugar algo que ninguém sabe o que será. A medida provisória (MP) que criou o Auxílio Brasil, em agosto, não respondia as perguntas mais básicas, como o valor a ser pago às famílias, o número de pessoas atendidas ou o critério a ser usado para ser um beneficiário.
Coube à base bolsonarista na Câmara transformar esse rascunho malfeito em um programa minimamente funcional. E agora que o relator da MP, deputado Marcelo Aro (PP-MG), está prestes a apresentar um texto final para ser votado pelo Congresso, começa a ficar claro que o governo Bolsonaro acabou com o Bolsa Família para substituí-lo por um programa construído com a velha mentalidade preconceituosa com que os ricos olham para os mais pobres no Brasil.
Em entrevista ao Correio Braziliense, Aro fala com orgulho de uma diferença que há entre o Bolsa Família e o Auxílio Brasil: bonificações que serão pagas aos beneficiários que conseguirem um emprego formal. Para o deputado, essa será uma forma de “estimular esse cara a continuar empregado”. Tal frase, não é difícil ver, é carregada de preconceito, assim como o programa bolsonarista.
Em primeiro lugar, acreditar que uma pessoa precisa de estímulo para ficar empregado é tratar os mais pobres como vagabundos, como se eles não quisessem ter um emprego. Em segundo lugar, dar um bônus apenas aos beneficiários que conseguirem um emprego formal é punir duas vezes a pessoa que não consegue trabalho com carteira assinada – a primeira punição é desemprego ou o emprego informal e sem direitos; a segunda é ser privada de um benefício, como se a culpa por não ter carteira assinada fosse dela.
Essa lógica se torna mais perversa quando se observa que o Brasil tem registrado taxas recordes de desemprego, com mais de 14 milhões de desocupados. E mais: a informalidade dobrou nos últimos cinco anos no país graças à reforma trabalhista de Temer, fazendo com que 36,6 milhões de trabalhadores hoje estejam na informalidade. Mas, na lógica desumana do governo Bolsonaro, o que falta para esses mais de 50 milhões de brasileiros é um pequeno estímulo para eles continuarem empregados.
Crueldade com mulheres e crianças
E não para por aí. A maldade fica ainda maior quando são observados outros dois pontos. O primeiro é que a imensa maioria dos beneficiários do Bolsa Família (93%), que passarão a receber o Auxílio Brasil, são mulheres. E tanto o desemprego quanto a informalidade são muito mais comuns entre as mulheres, em especial as negras. Ou seja, essa dupla punição recairá, principalmente, sobre mulheres negras.
O segundo é que um dos tipos de bônus que estão previstos para quem conseguir um trabalho informal é justamente o auxílio-creche, que na MP editada por Bolsonaro se chama Auxílio Criança Cidadã. Isso significa que só terão direito a creche os filhos das beneficiárias que conseguirem um trabalho com carteira assinada justamente no momento em que tanto o desemprego quanto o trabalho informal batem recorde.
Para a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello, a forma como o Auxílio Brasil foi pensado é extremamente preconceituosa contra a mulher. “Dá a entender que a mulher é vagabunda, que ela não tem o emprego formal porque ela é preguiçosa”, criticou, em entrevista à TvPT (assista no vídeo abaixo, já programado para iniciar na fala da ex-ministra).
Segundo a ex-ministra, a grande maioria das mulheres está na informalidade porque não consegue acessar o emprego formal. E, agora, o governo ainda quer tirar a creche de seus filhos, um apoio do qual ela precisa tanto para conseguir um emprego quanto para se manter em um, seja formal ou informal. “É um projeto esdrúxulo, uma excrescência, uma agressão às mulheres e uma agressão às crianças também, porque o acesso à educação infantil é um direito da criança, não pode ser condicionado à empregabilidade da mulher”, concluiu.