O “vamos juntos até o fim” de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, neste domingo (24), foi o prenúncio de uma reversão acentuada de expectativas do mercado para a economia – neste ano e no próximo. O Relatório de Mercado Focus lançado pelo Banco Central nesta segunda-feira (25), por exemplo, mostra o Produto Interno Bruto (PIB) em baixa, enquanto dólar, inflação e juros seguem em “viés de alta”.
No primeiro boletim após Guedes sinalizar com um “furo” no teto de gastos, as expectativas para o PIB em 2021 caíram de 5,01% para 4,97%, e de 1,50% para 1,40% em 2022. Com a inflação, a expectativa subiu pela 29% semana consecutiva, de 8,69% para 8,96% neste ano. Para 2022, a estimativa foi ampliada pela 14ª vez seguida, de 4,18% para 4,40%.
A expectativa da taxa básica de juros (Selic) subiu de 8,25% para 8,75% neste ano, e de 8,75% para 9,50% em 2022. O dólar seguiu o mesmo padrão. Antes cotado a R$ 5,25 para os 2 anos, agora foi a R$ 5,45.
O Itaú foi ainda mais longe ao revisar as projeções macroeconômicas, antevendo recessão em 2022. Após uma previsão de crescimento de 0,5%, a estimativa agora é de queda de 0,5% do PIB no ano que vem. “Notícias sobre o aumento dos gastos fiscais aumentaram as dúvidas sobre o futuro do arcabouço fiscal no Brasil, que desde 2016 tem sido baseado em um teto de gastos ajustável”, apontam os analistas do banco.
“O aumento da incerteza fiscal implica em um risco-país mais alto, maior depreciação do real, piores perspectivas para a inflação e, em última instância, uma taxa de juros neutra mais alta”, prosseguiu o documento, concluindo que está dificultada a tarefa do BC de manter a inflação na meta. Segundo os economistas da instituição, taxas de juros mais altas, para conter a inflação, levarão a uma atividade econômica mais fraca.
Para a taxa de câmbio, a projeção dos analistas do Itaú é de dólar em R$ 5,50 no final de 2021 e 2022, contra R$ 5,25 no cenário anterior. “Apesar das taxas de juros mais altas, a maior incerteza fiscal irá, como indicado pela recente reação do mercado, limitar o espaço para a valorização do real”, aponta o relatório do Itaú, cobrando do desgoverno Bolsonaro a “rápida retomada da agenda de reformas”.
A presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, criticou a pressão do mercado pela manutenção dos “fundamentos fiscais” enquanto pessoas disputam restos de comida. “Orçamento secreto, emendas parlamentares, gastos no cartão corporativo… nada disso causou alvoroço. Mas quando é pra socorrer o povo que passa fome, a gritaria em defesa do teto é grande. Impressionante como a indignação é seletiva, a miséria não comove o rentismo”, afirmou em postagem em seu perfil no Twitter.
Orçamento secreto, emendas parlamentares gastos no cartão corporativo… nada disso causou alvoroço. Mas quando é pra socorrer o povo que passa fome, a gritaria em defesa do teto é grande. Impressionante como a indignação é seletiva, a miséria não comove o rentismo.
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) October 25, 2021
Juros disparam, mas não contêm a inflação
O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se reúne pela penúltima vez no ano nesta terça (26) e quarta (27). O órgão sinalizou com novo aumento da Selic, hoje em 6,25% ao ano, em 1 ponto percentual, como nas últimas duas reuniões.
Boa parte dos analistas, contudo, aposta numa elevação ainda maior. A tendência, diz o mercado, é de aumento da taxa Selic em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano, nesta reunião, seguido de outro aumento de 1,5 ponto na reunião de dezembro. O ciclo se encerraria com duas altas adicionais de 1,0 ponto, a 11,25% ao ano.
Puxados pela Selic, os juros bancários médios com recursos livres (sem contar habitacional, rural e BNDES), de pessoas físicas e empresas, subiram de 29,8% ao ano, em agosto, para 30,6% ao ano em setembro. É o maior patamar desde abril do ano passado, quando estava em 31,3% ao ano.
Os sinais de alta de juros começaram em março, no auge da segunda onda da pandemia. De lá para cá, a inflação já ultrapassou 10% no acumulado em 12 meses. Em setembro, última data da medição do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que a inflação mensal ficou em 1,16% — a pior para mês desde o início do Plano Real, em 1994.
Naquele mês, aponta o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, houve aceleração das taxas de inflação em todos os segmentos de renda. Mas a evolução foi mais acentuada para as famílias de renda muito baixa (1,30%), comparativamente à apurada no grupo de renda mais elevada (1,09%).
No acumulado do ano, as famílias de renda média-baixa são as que registram a maior alta inflacionária, com taxa de 7,23%. No acumulado em doze meses, a pressão inflacionária continua maior nas classes de renda mais baixa (11%), acima do observado no segmento de renda mais alta (8,9%).
Para boa parte dos especialistas, a alta da Selic não conterá a inflação. “Esse sistema (de aumento da Selic) só vale quando a inflação é de demanda. Mas o nosso problema não é esse. Se fosse, teríamos pleno emprego, consumo em alta, famílias com acréscimo real de renda. Nossa inflação é de custos, de fatores de produção”, disse ao El País Felipe Queiroz, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Aumentando os juros, não vai fazer chover, não vai diminuir os custos dos fretes, não vai diminuir os custos de produção”, acrescentou Queiroz. Para ele, o governo deveria usar um mix de política econômica para reverter a alta da inflação, mas não o faz porque acredita que o mercado se autorregula.
A ideia é defendida pelos economistas de linha liberal, como Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Este último admitiu a veracidade de um áudio vazado com exclusividade pelo portal Brasil 247, em que ele consulta André Esteves, dono do BTG Pactual, sobre o patamar mínimo (“lower bound“) da taxa de juros no Brasil. Segundo Queiroz, com esse cenário, a tendência é de que o mercado pressione mesmo por uma alta maior nos juros, porque a inflação “estourou o teto”.