O governo Bolsonaro promoveu um retrocesso sem precedentes nas instituições. A avaliação é da organização não-governamental (ONG) Transparência Internacional, que nesta terça-feira (31) publicou o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), o mais importante indicador da prática de corrupção ou da percepção de integridade de cada nação. O Brasil caiu 5 pontos e 25 posições desde 2012, e ficou na 94ª colocação entre os 180 países avaliados. Para se ter uma ideia, a pontuação da melhor colocada, Dinamarca, é de 90 pontos.
“Foi uma década perdida no combate à corrupção […] Os resultados do IPC 2022 mostram um país estagnado, repetindo, pela terceira vez, a nota baixa de 38 pontos”, assinalou a ONG, que elabora esse ranking desde 1995.
Segundo a entidade, “combater a corrupção, promover a transparência e fortalecer as instituições são medidas fundamentais para evitar mais conflitos e preservar a paz”. É o contrário do que fez Bolsonaro, cujo governo foi marcado por falta de transparência, aparelhamento de instituições, desvio de finalidade de órgãos públicos, entre outros malfeitos.
“O governo Bolsonaro é o mais corrupto e incompetente da história recente do país”, classificou o senador Humberto Costa (PT-PE), após conhecer o relatório. Diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão detalhou ao colunista Jamil Chade, do portal UOL, o prejuízo causado pelo governo anterior. Segundo ele, o ex-presidente passou todo o mandato tentando blindar a família de investigações. Para isso, interferiu nos órgãos que poderiam ameaçar seu clã e atacou reiteradamente os demais poderes da República.
“O impacto disso foi muito maior do que a impunidade nos casos de corrupção e lavagem de dinheiro da família. […] Foi uma destruição institucional muito grave e de difícil reversão”, concluiu o representante da ONG no Brasil.
Um dos mecanismos utilizados por Bolsonaro foi a neutralização da Procuradoria-Geral da República (PGR) por meio de um titular que fez vistas grossas a toda sorte de desvios e crimes cometidos pelo então presidente. Bruno Brandão avalia que a inércia da PGR provocou o avanço de instituições, caso do Supremo Tribunal Federal (STF), que precisaram se posicionar frente aos absurdos cometidos por Bolsonaro.
Ao examinar o orçamento secreto, adotado no governo Bolsonaro, a ONG considera que se trata do “maior esquema de institucionalização da corrupção que se tem registro no Brasil”. Para a Transparência Internacional, ele foi usado como moeda para garantir a blindagem de Bolsonaro no Congresso e trouxe efeitos como a pulverização da corrupção nos municípios e a distorção do processo eleitoral, ao fortalecer partidos fisiológicos e lideranças corruptas.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), não tem dúvidas de que Bolsonaro promoveu um desmanche acelerado e um retrocesso no combate à corrupção. “Mas estamos recuperando a imagem nacional e deixaremos para trás essa página triste”, prometeu.
Para retomar o combate à corrupção, a seção brasileira da Transparência Internacional propôs medidas como a regulamentação do lobby; a proteção de denunciantes, a recuperação do sistema de proteção ambiental e o fortalecimento do combate à corrupção ambiental, entre outras. Também sugere o resgate de pautas como a transparência, bandeira histórica dos governos do PT.
Casos vêm à tona
A postura da PGR, o aparelhamento de órgãos e a falta de transparência prejudicaram a investigação das várias denúncias de corrupção durante o governo Bolsonaro. Agora, aos poucos, o país toma ciência do tamanho dos escândalos.
É o caso de possível desvio bilionário na Educação, investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A auditoria da corte de contas concluiu que em 2021 o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ignorou critérios técnicos e fracionou milhares de empenhos, uma forma de driblar limites legais. Mas o pior é que os empenhos, que atenderam a congressistas aliados, somaram R$ 8,8 bilhões, valor 14 vezes superior ao que estava no orçamento para as 3.600 obras selecionadas. A auditoria foi levada à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal (MPF).
Outra investigação em andamento está na Controladoria-Geral da União (CGU), que investiga a inclusão de 4,1 milhões de beneficiários do Auxílio Brasil antes da eleição no ano passado. Segundo o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, há fortes indícios de que a ação foi proposital.
Isso sem contar as investigações sobre quatro anos de atuação da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). O TCU aponta corrupção em pelo menos 63 contratos, que somam R$ 1,13 bilhão. Auditoria revelou que as licitações foram cercadas de irregularidades, desde o uso de empresas de fachada até combinação entre concorrentes. Em 2021, uma só empresa venceu 50 licitações, e em todas elas o desconto, que em geral passava dos 20% no preço final para o poder público, caiu para 1%. Também essa investigação foi encaminhada pelo TCU ao MPF.