Imputar aos oponentes os crimes que comete é uma das manobras diversionistas preferenciais de Jair Bolsonaro. Enquanto acusa adversários de associação com o crime organizado, ele mesmo tornou-se o principal benfeitor das organizações criminosas (Orcrim) na história do país. Graças à ofensiva armamentista movida desde o primeiro dia de seu desgoverno, contra as convicções da maioria da população brasileira.
Em quase quatro anos, o Executivo editou 17 decretos, 19 portarias (a maior parte do Comando do Exército), 4 instruções normativas da Polícia Federal e 2 resoluções da Câmara de Comércio Exterior sobre o tema armas. As mais de quarenta publicações ocorreram na calada da noite, em edições noturnas do ‘Diário Oficial’. Muitas vezes, em vésperas de feriado, turvando a transparência dos atos oficiais.
O alvo prioritário das ações é o Estatuto do Desarmamento, principal barreira regulatória às pretensões armamentistas de Bolsonaro. Conquista civilizatória da democracia brasileira, o Estatuto foi sancionado por Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, primeiro ano de seu primeiro mandato como presidente.
A profusão de novas normas – muitas inconstitucionais, outras revogando artigos inteiros do Estatuto e algumas tornadas sem efeito pela Justiça – gerou um “caos normativo” nos sistemas brasileiros de Segurança Pública, conforme definiu o Ministério Público Federal (MPF) em nota técnica.
Graças a Bolsonaro, militares, policiais, promotores e juízes perderam clareza sobre o que efetivamente vale e como enquadrar atividades ilegais em meio à desordem regulatória causada pelo futuro ex-presidente. Criminosos já condenados pela Justiça agora tentam anular as decisões com base em algum ato do desgoverno Bolsonaro.
Graças a Bolsonaro, o ambiente enfumaçado facilitou a impunidade e estimulou o crime organizado a usar portadores de licenças de colecionador, atirador esportivo ou caçador (CACs) – grupo mais beneficiado pelo caos normativo bolsonarista – como laranjas para adquirir legalmente armamento e munição. O número de CACs passou de 117 mil, em 2018, para os atuais 673,8 mil, conforme dados do Instituto Sou da Paz.
Graças a Bolsonaro, traficantes, contrabandistas, assaltantes, bandidos do “novo cangaço” e milicianos podem montar arsenais por até um quinto do valor pago antes de 2019. Com direito a armas longas como rifles e fuzis, além de munições de grosso calibre, até então de uso exclusivo de forças militares e policias. Estas, em inferioridade numérica e de poder de fogo diante do aparato em mãos de civis e bandidos.
Graças a Bolsonaro, o crime organizado avança como uma praga por todo o país e acumula forças para aterrorizar cidadãos e enfrentar a polícia. E é para se eximir da responsabilidade pela tragédia que está fomentando no país que Bolsonaro aponta o dedo acusador para outros.