A audiência foi solicitada pelo presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA), senador Jaques Wagner (PT-BA), com o objetivo de somar subsídios para construir um marco regulatório para o setor de plásticos no Brasil. Por isso, o debate reuniu a indústria do setor, da reciclagem, o movimento conservacionista e o Ministério Público.
E foi a Oceana Brasil, organização não governamental com base científica que luta pela proteção dos mares, que deu uma ideia do tamanho do problema. A representante da ONG, Lara Iwanicki, listou consequências ambientais, sociais e econômicas – incluindo aí pesca, turismo e entretenimento – dessa poluição. “Um estudo de 2019 aponta que esse prejuízo é de R$ 9,5 trilhões por ano no Brasil”, explicou Lara, ao exibir vídeo que mostra redes de pesca retiradas do mar sem qualquer peixe, apenas com sacolas plásticas emaranhadas. Isso sem contar, emendou ela, a perda dos serviços ecossistêmicos que os oceanos deixam de cumprir e os riscos à saúde humana.
“Se não está pagando do bolso, está pagando pela saúde, por conta do microplástico, que são fragmentos que vão se quebrando. Isso entra na nossa cadeia alimentar, entra no corpo humano. Várias pesquisas apontam que esse microplástico está no pulmão, na placenta de mulheres grávidas, no feto, na corrente sanguínea”, sustentou a ambientalista, que também condena as sacolas vendidas como oxi-biodegradáveis – feitas, explicou, de plástico convencional com adição de substância que faz a sacola esfarelar, espalhando os microplásticos. “Isso é greenwashing (maquiagem ecológica usada para enganar o público), tem que ser proibido numa lei de economia circular. O consumidor acha que está fazendo consumo sustentável e está trocando seis por meia dúzia e ainda fazendo consumo pior”, denunciou.
Estudo da Oceana aponta que no mínimo 325 mil toneladas de resíduos de plásticos chegam aos mares brasileiros a cada ano. O caminho, segundo Lara Iwanicki, não é a coleta e o tratamento, mas a economia circular. “Mutirão de limpeza funciona como campanha educativa, mas não é solução”. Ela acrescentou que diversos países já aprovaram legislação para reduzir a circulação de plásticos. “Nenhum deles está fazendo gestão de resíduos, mas apostando em outras embalagens, por exemplo. E 68% dos brasileiros entendem que isso é um problema e que é responsabilidade do Congresso frear o problema. Senado e Câmara precisam avançar, não têm só condição de fazer isso, mas o dever de fazer isso”, finalizou.
Jaques Wagner concorda que o Congresso precisa ser protagonista nesse assunto. “É Dia Mundial dos Oceanos e, não por outro motivo, nós marcamos essa audiência sobre a economia circular do plástico. Se não mudarmos ou não conseguirmos minimizar ou estancar o depósito de plásticos, que levam muitas vezes 100 anos para serem degradados no fundo dos oceanos, nós vamos ter em 2050 mais peso em plástico nos oceanos que vidas marinhas”, acentuou o senador.
O representante da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro, tentou mostrar que, em parte, essa preocupação também é do setor. Só em parte, claro, porque seu nicho é a própria fabricação dessas resinas. André Cordeiro afirmou que a indústria química, que envolve 2 milhões de empregos no país e responde por 11% do PIB, espera que a Anvisa regulamente a tecnologia de reaproveitamento. Assim, a partir de uma reciclagem especial, embalagens já usadas voltariam às prateleiras dos supermercados, como já acontece na Europa, por exemplo. Também defendeu uma transição energética que, ali na frente, torne a indústria uma consumidora de biomassa, com energia gerada nas lavouras, por exemplo.
Carlos Eduardo Mariotti, da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), tomou caminho semelhante e defendeu a bioeconomia. A indústria que ele representa produz celulose, que serve de insumo para a fabricação de papeis, caixas de papelão, embalagens de remédios e cosméticos e até canudos. E, segundo Carlos Eduardo, já são bioprodutos, feitos não a partir de desmatamento, mas de manejo sustentável de florestas.
Já o representante da indústria de vidro, Lucien Bernard Belmonte, concorda que a quantidade de lixo nos oceanos representa uma situação dramática. “Nós entendemos que o plástico é para uma série de situações, mas seu uso não pode ser indiscriminado. O que não pode continuar é essa forma selvagem de uso”, ponderou.
Pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), Ronei Alves da Silva afirmou que plástico e papel representam 90% do trabalho dos catadores e recicladores. Mas só vale o que pode ser reciclado. E aqui reside a dor de cabeça da categoria. “O plástico que não é reciclável entra na esteira, ocupa um espaço danado, e não adianta nada. Embalagens do tipo sachê para extrato de tomate, sacos para salgadinhos e tantas outras embalagens, tudo isso é uma praga no nosso trabalho”, desabafou Ronei Silva, cravando: “Tudo o que não pode ser reciclado nem deveria ser produzido”.
Não é o que pensa o representante de Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Paulo Henrique Rangel Teixeira insistiu na gestão de resíduos, lembrando que 24% das embalagens produzidas no país são recicláveis. Também alertou que o volume de plásticos não é o único problema dos oceanos, citando restos da pesca e outras substâncias, inclusive da indústria têxtil. Por último, receitou ponderação. “Quando a sociedade opta por banir algo porque não consegue alcançar soluções, essa é uma solução perigosa, porque toda vez que a solução for difícil a gente vai optar pela saída mais fácil, que é o banimento.”
Economia Circular
O que está em jogo é o próprio modelo de economia linear, dominante há séculos. É a opinião de Luísa Santiago, diretora da Ellen MacArthur Foundation, organização que estuda formas inovadoras e mais justas para manter a roda do mundo girando. A defesa, aqui, é a da substituição da economia linear, em que se aposta no consumo – e no desperdício – para aumentar a produção, por uma economia circular.
“A lógica de nossa economia, hoje, é extrair recursos da natureza, transformar e descartar. E não só na forma de resíduo material, mas também na forma de ativos inutilizados. Por exemplo, um carro fica parado 92% do tempo, ou uma furadeira, que é usada durante 12 minutos em seu ciclo de vida, tudo isso é desperdício numa economia linear”, esclareceu, lembrando que nesse modelo é preciso extrair mais, produzir mais, desperdiçar mais para então gerar valor econômico, empregos etc. Numa inversão total, Luísa citou três princípios da economia circular: eliminar poluição e resíduo; circular materiais e produtos; e regenerar a natureza. “Nossa saída não é a reciclagem, ainda mais mantendo a mentalidade linear”, justificou, afirmando que o volume de resíduos produzido pelo mundo, hoje, é muito maior que a capacidade de enfrentá-lo.
Se ainda não se vislumbra todo esse avanço, ao menos que se responsabilize quem cria os resíduos. O representante da Associação dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), Luís Fernando Barreto Júnior, analisou o princípio legal relacionado a essa responsabilidade.
“Nessa discussão, o poder público é órgão regulador. Quem tem que aportar recursos é a indústria, o comércio. Internalizar os custos externos”, explicou Barreto, afirmando ser “um equívoco pensar que o resíduo pode ser abandonado porque não teria, em princípio, um valor de troca”.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) agradeceu a ajuda dada pelos convidados na construção de um projeto nessa área. “Quando esse tipo de processo não ocorre voluntariamente, conforme a sociedade deseja, há a necessidade de uma lei”. O senador também criticou a forma com que o assunto é tratado, desde a escola. “Eu sempre tive uma posição muito cética sobre a ecologia ensinada nas escolas. Porque tentava incutir nas gerações futuras a separação de lixo nas casas, colocar no consumidor a obrigação de destinar corretamente o resíduo. Ou seja, você aí que se vire”, criticou, apontando a necessidade de deixar clara a responsabilidade do fabricante desses produtos.
Fórum Geração Ecológica
Jaques Wagner lembrou que estão em fase final os trabalhos do Fórum Geração Ecológica (FGE), esforço de um ano de vários setores da sociedade para construir um arcabouço legislativo em torno de um novo tipo de desenvolvimento no país. Os resultados do FGE serão apresentados à CMA no dia 30 de junho. E parte do que ouviu na audiência sobre a poluição dos plásticos, afirmou o senador, rima com apontamentos do Fórum, que tem a economia circular como um dos eixos de trabalho.
“Quem conhece onde o sapato aperta é o dono do calo. Seguramente, cada um dos que falaram aqui conhece mais profundamente o tema que eu, e é por isso que precisamos nos cercar de quem é especialista em cada tema e aprofundar o debate”, justificando que as diversas posições ajudam na construção de uma proposta sobre a utilização de plástico no país.
“Eu acho que cada um tem que saber que a verdade nunca está em nossa cabeça. A verdade, na democracia, sai do confronto de ideias”, finalizou Jaques Wagner.