Saúde

Comercialização de sangue pode “abrir porta” para venda de órgãos

Humberto Costa fez duras críticas aos objetivos da PEC 10/2022, que permite transformar o sangue em mercadoria
Comercialização de sangue pode “abrir porta” para venda de órgãos

Foto: Alessandro Dantas

Aprovar a comercialização de sangue no Brasil pode ser a ponta de um iceberg: abrir a possibilidade da venda de órgãos e tecidos. O tema foi tratado em audiência pública realizada nesta terça-feira (18) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

A transformação do sangue em mercadoria é tema da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2022, que permite a prática no país. Atualmente, esse comércio é proibido, assim como a comercialização de tecidos e órgãos. A Política Nacional de Sangue determina que o Sistema Único de Saúde (SUS) controle e fiscalize o serviço para a produção de hemoderivados.

Durante o debate, o senador Humberto Costa (PT-PE) questionou se a PEC 10/2022 não “abre uma porta” para o comércio de órgãos e tecidos.

“Acho que isso é a ponta de um iceberg. Começa com a discussão do plasma e, daqui a pouco, vem pra discussão de órgãos, de outros tecidos e aí se abre uma porta, sai um gênio da garrafa que ninguém consegue colocar de volta para dentro. Seria uma série de ações que serão tomadas para haver a possibilidade da utilização de órgãos e tecidos para a comercialização?”, perguntou o parlamentar.

A preocupação foi compartilhada pelo assessor parlamentar do Conselho Nacional de Secretários Nacionais de Saúde (Conass), Leonardo Moura Vilela. Para ele, a comercialização de sangue deve ser vista da mesma forma que a venda de órgãos.

“A comercialização do sangue e seus derivados deve ser vista no mesmo patamar da comercialização de órgãos, como rins, coração, fígado, córneas e outros, que grande parte da sociedade brasileira considera inadmissível”, criticou o assessor do Conass.

Já para o assessor do Ministério da Saúde, Helder Melo, o tema precisa de uma análise mais aprofundada. “Toda vez que abrimos uma oportunidade como essa de comercializar o sangue, a reboque vem uma série de elementos sem que haja uma garantia de benefício à população”, disse.

Produção nacional

A comercialização de sangue é vedada no Brasil segundo o art. 199 da Constituição Federal, sendo o tema regulamentado há 22 anos. Atualmente, o Brasil conta com a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), criada em 2004, quando Humberto era ministro da Saúde. A empresa tem uma função social: garantir o abastecimento prioritário aos pacientes do SUS.

A fábrica da empresa em Goiana (PE), para produção de hemoderivados, tem capacidade de processar até 500 mil litros de plasma ao ano. A partir de outubro, a Hemobrás, já definitivamente concluída, será capaz de abastecer o SUS com hemoderivados necessários aos seus pacientes no país.

PEC é retrocesso

Como a empresa está quase concluída, Humberto afirma que a PEC 10, além de um retrocesso em políticas públicas para a saúde, representa um desperdício de altos investimentos – como os ocorridos devido à má gestão anterior, que desperdiçou bilhões de reais em vacinas e medicamentos.

Um dos pontos mais criticados é a previsão para remunerar os doadores de sangue, como ocorria na década de 1980, quando o sangue era trocado por pão e café. A avaliação do representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Eduardo Maércio Fróes, é que a PEC não especifica os impactos dessas mudanças para o país.

“[A PEC] não traz no seu texto as consequências da comercialização do plasma. Como que isso vai se dar, como isso vai ser tratado, como será essa remuneração. Então, será temerário aprovar uma proposta que traz tantas consequências para a Política Nacional do Sangue sem ter, dentro dela, diretrizes. Não podemos simplesmente modificar a Constituição sem saber os impactos para o nosso país”, denunciou.

Produção fora

Outro alvo de polêmica é a garantia da produção de hemoderivados. No texto da proposta, não há nenhuma menção se as empresas poderão fazer esse serviço no Brasil. “Não identificamos no texto da matéria a intenção de que seja produzido aqui. Apenas se as empresas produtoras teriam condições de ter pontos de coleta de sangue”, afirmou o presidente da Hemobrás, Antônio Edson de Sousa Lucena.

Na mesma linha, Humberto Costa questionou a comercialização desse produto pelas empresas caso a matéria seja aprovada. “Elas podem comercializar onde quiserem. E aí o que vale? São as leis do mercado. E as leis do mercado vão dizer. Por exemplo, uma guerra como essa que está acontecendo na Ucrânia, uma necessidade de hemoderivados faria com que os preços se elevassem. Essas empresas venderiam no Brasil ou lá para fora?”, criticou.

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