Ana Rita: “Precisamos que esse olhar não seja de discriminação, de preconceito, mas que se veja essa população como um conjunto de humanos”Em tempos de ódio e intolerância, é importante modificar a visão do Poder Público sobre a população encarcerada. Esse foi o consenso entre os participantes da audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) nesta quinta-feira (17), para debater a situação das 36 mulheres encarceradas e possibilidade de construção de uma nova visão sobre essas pessoas. O mote para o debate foi o lançamento do livro “Liberdade atrás das grades – pedagogia social, política pública e cultura de paz”, da escritora e pesquisadora Dalila Lubiana.
Lubiana foi a mentora de um projeto de construção de uma nova realidade num presídio feminino no Espírito Santo. Ela utilizou iniciativas como psicodrama, meditação e ioga para resgatar a autoestima e a própria identidade das presidiárias. O objetivo era modificar o conceito padrão de que punir quem erra é uma forma de educar. “Essa lógica funciona com animais, não com pessoas encarceradas”, destacou.
Aos participantes do encontro, ela mostrou um vídeo com depoimentos das presas, que emocionou a plateia e levou às lágrimas o senador Donizeti Nogueira (PT-TO), que presidia a sessão e chegou a adiar a fala da ex-presidenta da CDH e ex-senadora Ana Rita (PT-ES), que, de tão comovida, não conseguia falar.
Representante do Ministério da Justiça, a diretora de Políticas Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Valdirene Daufemback, mostrou, com dados estatísticos, que a população carcerária brasileira – a quarta do mundo – está crescendo, na contramão do que acontece no restante do mundo. “É muito forte o mito de que a justiça se iguala à prisão e precisamos mexer nessa forma de ver as coisas”, disse.
Ela também mostrou que, no Brasil, a grande maioria dos encarcerados cumprem pena por crimes contra o patrimônio. “Está errado, porque o mais importante é o crime contra a vida”, enfatizou.
O senador Donizeti acredita que só com essa nova abordagem seria possível recuperar, de fato, quem caiu no mundo do crime. Para isso, entre outras coisas, sugeriu que os profissionais que lidam diretamente com a população encarcerada sejam treinados par “gostar de gente”. Segundo ele, a visão autoritária e punitiva de carcereiros enfatiza a distância entre os dois mundos (do lado de dentro e do lado de fora das grades).
Ana Rita lembrou que a realidade das mulheres encarceradas é muito diferente da dos homens. “Em geral, elas são abandonadas por seus companheiros, não recebem visitas, mas preferem ficar em condições piores a serem afastadas de suas famílias, especialmente dos filhos”, salientou.
Lembrou ainda que boa parte desse universo é composto de mulheres que entraram no crime por influência ou para ajudar maridos, filhos, companheiros. “Precisamos discutir, também, que sociedade é essa que leve o ser humano lá para dentro, disse a senadora, que presidiu a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Violência contra Mulheres e tem amplo conhecimento sobre essa realidade.
Ana Rita pediu atenção especial do poder público às presidiárias que são mães, para que lancem um olhar mais direcionado à população encarcerada. “O grande problema é o olhar que se lança sobre essa população. Precisamos que esse olhar não seja de discriminação, de preconceito, mas que se veja essa população como um conjunto de seres humanos”, disse, acrescentando. “Essas pessoas precisam de atenção especial do Estado”.
Giselle Chassot