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Como a reforma da Previdência vai prejudicar os municípios do Brasil

A proposta de reforma da Previdência de Bolsonaro desconsidera o papel dos benefícios previdenciários para a economia local
Como a reforma da Previdência vai prejudicar os municípios do Brasil

Foto: Agência Brasil

A reforma da Previdência, por meio da PEC 6/2019, apresentada pelo governo Bolsonaro, prejudicará os municípios brasileiros, especialmente os pequenos. Isso porque ela desconsidera o papel dos benefícios previdenciários para a economia local. As transferências monetárias da seguridade fazem a economia girar, levando desenvolvimento para todo o Brasil. Neste artigo, junto com o senador Rogério Carvalho (PT-SE), vice-líder da bancada do PT no Senado Federal, trazemos nossa contribuição ao debate do tema.

A reforma proposta reduz o valor do benefício de prestação continuada – BPC para idosos em extrema pobreza de um salário mínimo para R$ 400. O programa é efetivamente direcionado às pessoas mais pobres, que serão duramente atingidas, pois precisarão sobreviver com menos da metade de um salário mínimo. Essa redução e as demais mudanças que afetam os mais pobres agravarão a concentração de renda, ampliando a demanda pelos serviços públicos municipais de assistência social e de saúde.

Em mais de 60% dos municípios do Nordeste, por exemplo, os valores da aposentadoria rural são superiores aos repasses do FPM; nos demais municípios pequenos, a realidade não é diferente. A reforma muda a lógica da aposentadoria rural, ao exigir a comprovação da efetiva contribuição. A proposta desconsidera as especificidades do campo, prejudicando os agricultores familiares. O impacto para a economia local será enorme: os benefícios rurais somaram 123,7 bilhões de reais em 2018, valor superior ao total da arrecadação do ISS e do IPTU (107 bilhões de reais).

A proposta apresentada pelo governo eleva o tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos, excluindo os trabalhadores urbanos mais pobres e os empregados rurais. São eles que, em função do trabalho sem carteira assinada, do desemprego e da condição de safrista, têm enorme dificuldade de contribuir de forma permanente. Por essa razão, tendem a se aposentar com idade mais elevada.

Num país com 13,1 milhões de desempregados e no qual metade da força de trabalho está na informalidade, exigir 20 anos de contribuição como tempo mínimo e 40 anos para receber aposentadoria integral produzirá exclusão. Com menos aposentados e redução da renda, haverá diminuição do consumo das famílias, prejudicando a atividade econômica local e a arrecadação de impostos.

A PEC muda as regras da pensão por morte, reduzindo o valor para 60% do salário do segurado falecido. Esse valor aumentará 10% por dependente. Se o falecido ganhasse 1 salário mínimo, a pensão será de menos de 600 reais. Essa redução prejudicará, sobretudo, as mulheres e crianças.

A reforma retira da Constituição a obrigatoriedade do aumento anual das aposentadorias (INPC), que assegura seu poder de compra frente à inflação. Com o fim da obrigatoriedade, todos os aposentados que recebem mais do que um salário mínimo poderão ser afetados. Estima-se que, em 20 anos, as aposentadorias percam até 50% do seu valor real se nenhum aumento for concedido.

Em seu conjunto, a proposta de reforma da Previdência reduz a quantidade de aposentados e o valor das aposentadorias. Isso poderá afetar a arrecadação municipal e reduzir o dinheiro que circula nas economias locais. De outro lado, a exclusão previdenciária dos mais pobres será sentida em áreas diversas, pressionando os serviços públicos municipais que já estão sobrecarregados. A conta não fecha para os municípios.

Claro que a Previdência social precisa de ajustes periódicos, em decorrência do envelhecimento da população, a exemplo do que fizeram os presidentes FHC, Lula e Dilma. Ajustar as regras para garantir equiparação dos regimes próprios dos servidores e regime geral (INSS) é primordial para as finanças públicas, especialmente para os Estados e mais de dois mil municípios que possuem regimes próprios dos servidores.

A sustentabilidade econômica dos regimes de previdência passa pela elevação das receitas próprias dos Estados, DF e Municípios, criação de empregos com carteira assinada, combate à sonegação e cobrança dos grandes devedores. Envolve ainda a adoção de medidas concretas para combater privilégios incompatíveis com a realidade do povo brasileiro.

Também é fundamental que a União reveja as desonerações, que devem alcançar 300 bilhões de reais em 2019. Mudança recente na legislação, proposta pela gestão Temer, permite que as petroleiras retirem da base de cálculo do Imposto de Renda os valores aplicados em exploração de petróleo. Isso prejudica os estados e municípios, que ficam com 46% do IR, distribuídos por meio do FPE e FPM. Em 25 anos, apenas com os royalties do pré-sal, as perdas podem superar 400 bilhões de reais.

O governo fala em acabar com privilégios para “economizar” 1 trilhão de reais. O discurso não se sustenta, já que 81% dessa economia virá do regime geral (INSS), do BPC e do abono. Ora, o valor médio das aposentadorias pagas pelo INSS é menor que 1.500 reais, enquanto o BPC é destinado aos idosos em situação de miséria e o abono, aos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos. Chamar essas pessoas de privilegiadas é um acinte.

O pior é que, se implementado, o sistema de capitalização alternativo à previdência atual, a União deverá arcar com enorme custo de transição, pois já não haverá arrecadação na previdência pública para bancar as atuais aposentadorias. Em países como o México, a capitalização elevou o gasto com previdência de 1% para 4% do PIB.

Segundo a OIT, dos 30 países que adotaram a capitalização nos últimos 30 anos, 18 voltaram atrás. O Chile é o exemplo mais concreto de que a capitalização não funciona: 79% das aposentadorias estão abaixo salário mínimo e 44 % abaixo da linha da pobreza.

Os ganhos com a exclusão dos mais humildes da previdência serão utilizados para financiar o custo de transição, e não para transferir recursos aos estados e municípios e financiar serviços públicos. As prefeituras serão mais demandadas em áreas como saúde e assistência social em razão da piora da distribuição de renda. É preciso lembrar que os municípios já estão sobrecarregados, aplicando 24% de suas receitas com saúde, quase 10 pontos acima do exigido, ao tempo em que a União reduziu sua participação no financiamento do setor.

A reforma de Bolsonaro reduzirá as transferências da previdência social para as famílias, especialmente as mais pobres. A Marcha de Prefeitos, organizada pela Confederação Nacional dos Município (CNM), é um espaço importante para debater esses temas, que afetarão a economia local e os serviços públicos municipais.

Artigo originalmente publicado na Carta Capital

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