Como o Fundo Social corre sério risco de ser dilapidado

Proposta é garantir recursos para investimentos públicos e evitar a chamada Doença Holandesa. Saiba mais.

Como o Fundo Social corre sério risco de ser dilapidado

Recursos dos royalties do petróleo vão
financiar a aplicação dos 10% do PIB 
para a educação

Quando o pré-sal foi descoberto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou preservar o Brasil de erros cometidos em outros países, reservando parte da riqueza do petróleo para as futuras gerações, com o Fundo Social. Com essa medida, filhos e netos dos brasileiros de hoje teriam a garantia de também usufruir da riqueza, por meio da aplicação dos recursos em serviços essenciais para a população, como educação e saúde, por exemplo.

A intenção do ex-presidente era tirar o Brasil do risco de ser afetado pela chamada “Doença Holandesa”, nome dado por economistas quando um país se torna especializado na exportação de commodities, gerando supervalorização da moeda nacional, que, por sua vez, provoca queda nas exportações e a desindustrialização.

Este processo se reproduziu em vários países que são grandes exportadores de petróleo, como Arábia Saudita, Irã, Iraque e Líbia, que vendem quase que exclusivamente petróleo e perderam as condições e o interesse em diversificar suas exportações. Não por acaso, esses países convivem com desigualdades sociais diante das facilidades geradas pela entrada rápida de petrodólares, e sem qualquer transparência na utilização da renda do petróleo. A fortuna produzida pelo óleo é toda apropriada por segmentos da sociedade e produz pouco benefício social.

Todo esse plano, hoje, corre o risco de ser prejudicado. A ameaça a essa garantia está na Câmara dos Deputados, onde um grupo de parlamentares quer alterar o texto aprovado no Senado, retirando imediatamente dinheiro dos depósitos do fundo – e não de seus rendimentos.

Desde o começo das discussões sobre o uso dos royalties do petróleo para educação e saúde, o Governo decidiu aplicar o lucro do Fundo Social e não o saldo desta poupança. Da forma como está, o relatório do deputado André Figueiredo (PDT-CE) coloca em risco duas questões vitais para o marco regulatório do pré-sal: haveria prejuízo à perenidade dos recursos do Fundo Social. Há uma diferença fundamental entre destinar 50% do capital principal do fundo à Educação e aplicar 50% dos rendimentos.

Basta pensar no Fundo como uma caderneta de poupança que serve como um colchão para a aposentadoria de uma pessoa. Para sobreviver, ela utiliza a metade dos rendimentos da aplicação (nesse caso dos juros e da correção monetária). Isso garante que o “colchão” permaneça lá. Porém, se o mesmo cidadão decide que, a cada mês vai utilizar a metade do total dos recursos, em pouco tempo a reserva terá se esgotado. Eis o problema.

Sendo o Fundo Social uma poupança, a ideia é que ele seja um colchão que garanta investimentos de longo prazo e uma reserva para as gerações futuras. Vale lembrar que reservas de petróleo, por maiores e mais rentáveis que sejam, são finitas. Utilizá-las sem critério, não é apenas um ato de egoísmo ou descaso com as gerações futuras. É também um risco para a economia, porque significa a injeção instantânea de dólares na economia brasileira.

Doença holandesa
Ficaria, então, mais barato importar que produzir. E o País se encheria de supérfluos a que, não necessariamente, toda a população teria acesso. Isso aconteceu com a Holanda que, entre as décadas de 60 e 70 descobriu grandes reservas de petróleo e gás no Mar do Norte. Foi uma enxurrada de dinheiro que não gerou investimentos em infraestrutura, educação, saúde nem nada do tipo. Os recursos se reverteram em bens de consumo. Essa “epidemia” de recursos mal-empregados ficou conhecida como “Doença Holandesa”.

Os especialistas dizem que a situação não foi muito diferente em países africanos que descobriram grandes jazidas de diamantes. A população local foi muito pouco ou nada beneficiada pela montanha de dinheiro que acabou concentrada nas mãos de poucos. É tudo o que o Governo não quer.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que presidiu a comissão especial criada para analisar o projeto de lei do governo destinando à Educação os recursos do petróleo da camada pré-sal chama atenção para o caso. “Quando André coloca 50% do principal para Educação, ele está na verdade desmontando o fundo, permitindo que, num próximo momento, alguém questione por que não [mexer no capital principal] para a saúde, a ciência e tecnologia, e qualquer outra coisa. Ele abre um precedente que altera a filosofia do Fundo Social. Essa é a primeira alteração em profundidade do marco regulatório.”, disse Zarattini em entrevista concedida ao jornal Valor Econômico.

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Governo quer garantir recursos do petróleo
para investimentos públicos para as
próximas gerações

Modelo de partilha

Outro ponto para o qual é preciso estar atento é a fixação de percentual mínimo de 60% para o excedente em óleo que a empresa tem que dar à União, no sistema da partilha de produção (modelo de exploração da camada pré-sal e de áreas consideradas estratégicas pelo Governo). Essa exigência, pode colocar em risco a própria exploração do pré-sal.

Por exemplo: o Campo de Libra, na Bacia de Campos tem, por conta do edital, um lucro de 41,6% no mínimo para a União. Se forem somadas todas as parcelas que a empresa tem que pagar: 15% de royalties, bônus de assinatura, imposto de renda e contribuição sobre o lucro líquido, a parcela do governo nas receitas da prospecção chega a 75%, conforme informações da  Agência Nacional de Petróleo (ANP).

Se essa parcela pular de 41,6% para 60%, como prevê o projeto da Câmara a parte da União ficará em 94% e a empresa exploradora vai ficar com 6%, de onde vai ter que tirar seu lucro e o custo operacional. “Isso coloca em risco a própria execução do pré-sal.”, conclui o deputado petista.

Proposta do Senado
No Senado, o relator do projeto, Eduardo Braga (PMDB-AM), líder do Governo, apresentou proposta intermediária, mantendo algumas ideias do texto que foi aprovado na Câmara, mas retomando o projeto de Dilma em questões consideradas fundamentais. Uma delas é a destinação à área social (Educação e Saúde), de metade dos rendimentos da aplicação do fundo) – e não do seu valor principal.

Por outro lado, a União concordou em destinar diretamente à Educação metade da receita em royalties e participações especiais a que tem direito nas áreas localizadas no pré-sal, contratadas sob o regime de concessão. Esse dispositivo não estava no texto da Câmara. Pela legislação atual, esses recursos iriam para o Fundo Social, assim como o valor do bônus de assinatura pago pelas empresas no contrato de partilha de produção, os royalties recebidos pela União nesse modelo de exploração e receita da comercialização de petróleo e gás natural, receitas não obrigatórias.

Além disso, para evitar que Estados questionem a constitucionalidade da regra, o projeto do Senado destina apenas a parte da União na arrecadação dos campos já explorados (porque o Governo Federal concordou), mantendo intocada a parcela das outras unidades da federação. Entre outras modificações feitas no Senado, o piso de 60% para o excedente em óleo, incluído por Figueiredo, foi retirado da proposta pelo senadores.

Uma mudança feita na primeira votação da Câmara e mantida no Senado foi a destinação de parte dos recursos para a saúde (25%). Na MP e no projeto da presidenta Dilma Rousseff, apenas a Educação recebia recursos de royalties e Participação Especial.

Novas regras
Em abril deste ano, a presidente Dilma Rousseff apresentou projeto de lei, propondo que 100% das receitas da União, dos Estados e municípios com royalties e participações especiais relativas aos contratos celebrados a partir de 3 de dezembro de 2012, sob os regimes de concessão e de partilha de produção fossem destinadas à área de educação, bem como 50% dos recursos resultantes do retorno (rendimentos) sobre o capital do Fundo Social.

O FS ficaria apenas com as receitas com royalties e participações especiais destinadas à União dos contratos de concessões celebrados na área do pré-sal e as receitas com a comercialização de óleo e gás devidas à União nos contratos de partilha. O projeto foi alterado pelos deputados, que destinaram 25% dos royalties serão destinados à saúde.

O substitutivo foi aprovado pelos deputados, alterado no Senado e retornou à Câmara para a votação final. Na semana passada, o texto-base de Figueiredo foi restabelecido, mas falta a votação de destaques (emendas ao texto) que podem recolocar no texto alguns dos pontos de que o Governo não abre mão.

Neste cenário, a proposta não pode mais ser modificada e a única alternativa é votar as mudanças de maneira pontual, fazendo uma espécie de remixagem entre os dois textos.

Essa, provavelmente, será a saída, já que a base governista não admite que o principal do Fundo Social seja esgarçado. “O Fundo é uma poupança importante para as gerações futuras; um instrumento de longo prazo para assegurar que os recursos do pré-sal beneficiem brasileiros de outras gerações”, explicou o senador Humberto Costa (PT-PE).

Foto: petroleoinfonet.blogspot.com

petrosolpetroleoeenergia.com

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