Foram 12 meses de trabalho, envolvendo 42 representantes de diversos setores da sociedade. Divididos em cinco grupos, esses voluntários promoveram 51 reuniões, totalizando mais de 100 horas de discussões técnicas. Já a equipe de execução do Fórum da Geração Ecológica (FGE), composta por facilitadores e consultores, reuniu-se por mais de 150 horas.
O resultado, apresentado na última quinta-feira (30) – e aprovado na véspera pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) -, foi classificado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, como “importante guia para os trabalhos legislativos daqui por diante”. O material é vasto. O caderno, entregue a todos os senadores, reúne 32 peças legislativas – 26 minutas de projeto de lei, além de quatro indicações e dois requerimentos -, e será encaminhado à Secretaria Geral da Mesa, que, então, deverá distribuir as matérias às comissões temáticas do Senado tão logo sejam lidas em plenário.
A iniciativa do FGE foi do presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA), numa parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). O senador é experiente nesse tipo de esforço, uma vez que comandou, no primeiro mandato do governo Lula, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES), que promovia o diálogo e a construção de consensos entre governo, empresários e a sociedade civil organizada. Na apresentação do relatório, Jaques Wagner exaltou a importância do debate plural.
“Gosto de dizer que na Democracia você entra com 100% do que você pensa e sai com a média daquilo que é possível construir. Sou um convicto do diálogo entre poder público e sociedade civil, além de um entusiasta da união entre democracia representativa e democracia participativa” – pregou.
Foi o que se viu na apresentação dos cinco grupos de trabalho, cada qual com um eixo temático. A seguir, um resumo dessas conclusões.
Bioeconomia
Os resultados desse grupo de trabalho foram apresentados pela bióloga e professora da UNB, Mercedes Bustamante, mestra em Ciências Agrárias e Doutora em Geobotânica. Segundo ela, “o Brasil apresenta, hoje, todas as condições de liderar um novo ciclo da economia mundial, ofertando produtos e serviços alinhados ao combate dos efeitos das mudanças climáticas, e que promova justiça social e equidade”. Mercedes acentuou que o país pode sair na frente nessa área, que envolve um mercado diferenciado de produtos com base na biota [conjunto de seres vivos, fauna e flora] nativa brasileira, com valor agregado a partir da inovação e da ciência e tecnologia, “com o diferencial único da nossa diversidade cultural e social.”
Cidades Sustentáveis
Coube ao economista e professor da PUC-SP, Ladislau Dowbor, que é especialista em Desenvolvimento Local, apresentar conclusões desse grupo. Ele defendeu a descentralização de poder e de finanças no país: “não dá para resolver as coisas a partir de Brasília. As cidades têm mais condições de identificar os problemas e as soluções.” E lembrou que 87% dos brasileiros moram no meio urbano, onde o grupo centrou mais propostas.
Entre elas, a geração de empregos verdes. “Somos 214 milhões de habitantes e temos apenas 33 milhões de empregos formais”, alertou, sugerindo a adoção de Cinturões Verdes em Perímetro Urbano, nome de uma das propostas apresentadas. O texto regulamenta a criação dessas faixas de plantio, fixando a competência do poder público e indicando áreas para sua implantação a partir dos Zoneamentos Ecológico-Econômicos estaduais. Também prevê incentivo a proprietários de imóveis rurais localizados nessas áreas, que devem ser conservadas e, também, utilizadas para a produção saudável de alimentos para atender às zonas urbanas e, claro, gerar emprego e renda.
O grupo também defendeu, nas propostas, políticas públicas de educação para a sustentabilidade nos municípios, além de uma nova forma de gestão urbana, mais participativa. “A população não pode ser espectadora”, justificou.
Indústria e Economia Circular
A coordenadora do Observatório do Clima, Sueli Araújo, falou em nome desse grupo de trabalho, e salientou que o Brasil precisa ir além do sistema de economia reversa. “Um novo marco, com objetivos, pode ajudar a trazer novos modelos de negócio ao país, pautados por cadeias que incentivem a circularidade e o controle da poluição em todas as suas etapas”, defendeu Sueli. Esse marco é a Política Nacional de Economia Circular (PNEC), que se articula com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) para formar um arcabouço de estímulo à circularidade. O objetivo é juntar desenvolvimento econômico com o uso racional de recursos naturais.
Ela também destacou a proposta de incentivo à inovação. O texto, oferecido ao Congresso pelo Fórum, altera a legislação para permitir a dedução de imposto a empresas que apostem em projetos de sustentabilidade. A proposta também altera a Lei de Responsabilidade Fiscal para instituir o regime fiscal verde, que passaria a ter incentivos. “O recado é bem claro: a responsabilidade fiscal tem que ser verde”, resumiu.
Por meio de indicação a ser analisada pelos parlamentares, o grupo ainda sugeriu que o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), ligado ao Ministério da Economia, promova mudanças em sua política para que as regras do ICMS passem a ter um olhar para a sustentabilidade nos estados.
Energia
O processo de transição para um modelo renovável de energia é um desafio para o mundo todo, mas para o Brasil também é uma oportunidade. A declaração foi da diretora-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) Élbia Gannoum. Só que, segundo ela, “o conforto que temos pela alta quantidade de recursos renováveis disponíveis, pela alta participação das fontes renováveis na matriz elétrica, 83%, e na matriz energética, 48%, pode fazer com que o Brasil caminhe numa velocidade muito lenta e perca o bonde da história de liderar o processo de transição energética global”.
Em nome de seu grupo de trabalho, ela defendeu políticas públicas para alavancar emprego, renda e divisas por meio dessa matriz. “As energias renováveis, em particular a eólica no Nordeste, tem contribuído para o crescimento do PIB em 21%. Para cada R$ 1 investido em energia renovável, temos R$ 2,9 em retorno para o PIB brasileiro”, explicou.
Outra proposta do grupo é a promoção do desenvolvimento do hidrogênio verde como vetor energético no país.
Proteção, Restauração e Uso da Terra
O quinto e último grupo de trabalho do FGE foi explicado pela representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Letícia Tura. Ela ressaltou que, desde o início dos debates, ficou claro que “não é possível dissociar a questão ambiental e o combate às mudanças climáticas da questão fundiária, da garantia do direito à terra dos povos indígenas, dos povos quilombolas, agricultores familiares, camponeses”. O aumento do desmatamento da Amazônia, exemplificou, está muito relacionado à grilagem de terras públicas.
Outro princípio que norteou os trabalhos, afirmou Letícia, foi a relação entre combate a mudanças climáticas, soberania alimentar da população e direito humano de acesso à água. Aqui, o debate também envolveu os impactos do uso do solo na capacidade de produção de alimentos, no meio ambiente e na população em geral, incluindo severa reação à política de uso indiscriminado de agrotóxicos promovida pelo atual governo.
O grupo sugeriu nada menos que 12 minutas de projeto de lei e uma recomendação de avaliação de políticas públicas. Entre as propostas está a de promover políticas diferenciadas para o papel da mulher na conservação ambiental.
Rede parlamentar
Na cerimônia, Jaques Wagner agradeceu a cada um dos 42 membros do FGE, “uma coisa absolutamente voluntária e desafiadora, [que foi] conciliar as agendas de cada integrante convidado por sua relevância e pela representatividade em seu setor”. O senador também enalteceu o trabalho da CMA e de suas equipes e fez uma menção especial ao apoio dado ao evento pela Cepal, órgão ligado às Nações Unidas. Uma aliança que, segundo ele, já trouxe outro desdobramento.
“Através da Comissão de Meio Ambiente, estamos construindo uma rede entre parlamentares, inicialmente da América Latina e Caribe, para trocar experiências e aprender com as legislações ambientais de cada lugar.” – finalizou Jaques wagner, seguido pelo slogan do FGE, anunciado pelo mestre de cerimônias: “Hoje, o diálogo; amanhã, um planeta para todos os seres”.