A reunião ministerial de 22 de abril, em que o presidente Jair Bolsonaro admite que vai interferir na estrutura da Polícia Federal para evitar investigações sobre a família e um amigo, fortalece os argumentos apresentados pelas 400 organizações da sociedade civil, de juristas e dos sete partidos de oposição – PT, PSOL, PCdoB, PCB, PSTU, PCO e UD – de que o presidente atua fora da legalidade na condução do governo.
“Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”, reclamou o presidente, na reunião de 22 de abril. “Eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações. ABIN tem os seus problemas, tenho algumas informações. A gente num pode viver sem informação”, disse, logo no início do encontro palaciano, de acordo com o vídeo divulgado por autorização do relator do inquérito que apura o caso no Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello.
De acordo com o vídeo, mais adiante, quase ao final da reunião ministerial, Bolsonaro voltou novamente a tratar do assunto: “É a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”. Dois dias depois da reunião, o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, foi exonerado do cargo. O então ministro Sérgio Moro foi surpreendido com a portaria de demissão do delegado na sexta-feira, 24 de abril.
Elementos de prova
É esse conjunto de indícios de crimes que reforçam a convicção dentro do PT e dos demais partidos de oposição de que o presidente cometeu crime de responsabilidade. De acordo com a presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), Bolsonaro confessou que queria trocar o comando da Polícia Federal para não ser surpreendido por investigações conduzidas pelo órgão. E lembrou: isso é crime de advocacia administrativa – artigo 321 do Código Penal – que tipifica “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública”. No caso de Bolsonaro, como presidente da República, o delito é agravado e classificado como crime de responsabilidade, passível de punição com o afastamento do cargo de presidente.
Procuradores da República também vêem indícios do mesmo crime e elencam outros dois que teriam sido cometidos por Bolsonaro: prevaricação – deixar de atuar como determina à lei diante de evidências de delitos – e afronta à lei de abuso de autoridade. No Ministério Público Federal, o vídeo e outros elementos, como mensagens trocadas pelo presidente por celular, configuram evidências de que Bolsonaro se movia pelo propósito de preservar a família e o misterioso amigo a que ele se refere de investigações.
Vale lembrar que Fabrício Queiroz, o assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, é amigo de Jair Bolsonaro deste antes dele ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados. Os dois têm uma relação pessoal há mais de 30 anos. O ex-assessor, que é policial militar aposentado, foi exonerado do cargo no gabinete de Flávio Bolsonaro duas semanas antes de se tornar alvo de investigações sobre o esquema da rachadinha. No mesmo dia, a filha de Queiroz, Nathália, foi demitida do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. As investigações do Coaf apontam que ela repassou 80% de seu salário para o pai.
O esforço da bancada do PT e dos demais partidos de oposição agora é colher assinaturas necessárias para a instalação de uma CPI para apurar o caso, enquanto aumentam a pressão sobre o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), a aceitar o pedido de impeachment apresentado na semana passada pelas 400 organizações da sociedade civil, juristas e a oposição.