“João Goulart se foi, mas, aqui e agora, presente entre nós, está a obra, a vida, a conquista e, principalmente, o caminho que João Goulart trilhou”, afirmou o senador Walter Pinheiro.
Decisão do Congresso retira o manto de |
Numa votação concluída no início da madrugada desta quinta-feira (21), o Congresso Nacional declarou nula a sessão que declarou vaga à presidência da República então ocupada por João Goulart, em abril de 1964. Uma chuva de papel picado e vivas à democracia saudaram a decisão, que, na prática, retira o manto de legalidade com que se tentou encobrir o golpe militar que depôs o chefe do executivo e instaurou um regime de exceção. A iniciativa de anulação da sessão constou do Projeto de Resolução 4/2013, de autoria dos senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).
Falando em nome da bancada do PT, o senador Walter Pinheiro (BA) lembrou as transformações que Jango pretendia liderar no País e que continuam a necessárias e atuais. “Poderíamos falar aqui de um João Goulart que falou da reforma agrária, da reforma urbana, temas que estão sendo discutidos até hoje. De um João Goulart que falou da reforma na educação, dos pilares da transformação”, destacou Pinheiro. “E era isso que incomodava. O susto era esse. João Goulart se foi, mas, aqui e agora, presente entre nós, está a obra, a vida, a conquista e, principalmente, o caminho que João Goulart trilhou”, afirmou.
A votação foi acompanhada pelo ex-deputado João Vicente Goulart, filho do presidente deposto. Apenas os deputados Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Guilherme Campos (PSD-SP) manifestaram voto contrário ao PL 4/3013. Bolsonaro tentou tumultuar a votação, como havia feito na sessão da véspera, mas não obteve sucesso. Na noite de terça-feira (19), um pedido de verificação de quórum feito por Bolsonaro derrubou a sessão. Na noite de quarta-feira, manobra semelhante foi travada pelo presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL): “Vossa Excelência, contra todos os líderes, contra todas as bancadas, isoladamente, não pode paralisar e imobilizar os trabalhos do Congresso, contrariando a Constituição federal”.
João Vicente Goulart, filho do presidente |
Num discurso amparado em manchetes de jornais da época eivadas de alarmismo anticomunista — como a da Tribuna da Imprensa, de 21 de fevereiro de 1964, que afirmava que “Kruschev apóia frente Goulart” — e no “clamor” de “empresários e produtores rurais”, Bolsonaro tentava justificar a quebra da institucionalidade da deposição do presidente, “com o apoio incondicional de Carlos Lacerda, governador do Rio de Janeiro, Carvalho Pinto, de Minas Gerais, e Adhemar de Barros, de São Paulo”.
Na madrugada de primeiro para dois de abril de 1964, uma sessão do Congresso Nacional, presidida pelo então senador Auro de Mora Andrade, declarou a vacância do cargo de presidente da República, ferindo a Constituição, que previa que essa vacância só se daria na ausência do presidente do território nacional sem a devida autorização do Legislativo. João Goulart estava no Rio Grande do Sul. Nas memórias delirantes trazidas por Bolsonaro à Tribuna do Congresso, o regime militar instaurado a partir da declaração da vacância foi “um período de 20 anos não de ditadura, mas de um regime com autoridade, em que o Brasil cresceu, tivemos pleno emprego, respeito aos direitos humanos – porque hoje em dia a violência está aí fora –, segurança, amor à pátria e democracia”.
Um dos discursos mais emocionados da sessão foi o do senador Pedro Simon, um dos autores do Projeto de Resolução. “O que houve aqui [em 1964] foi uma das páginas mais tristes do Brasil. Foi uma sessão dolorosamente dramática em que o Presidente do Senado usurpou a vontade do povo brasileiro”. Simon contou sobre a chantagem do general Amaury Kruel, um dos líderes do golpe, que exigiu do presidente um “manifesto atacando o comunismo” e a recusa de Jango, que não era comunista, mas não aceitava esse tipo de pressão. “Jango não lutou porque tomou conhecimento de que aqui, no litoral brasileiro, forças da Marinha americana estavam prontas para entrar. Quem leu o livro do embaixador americano naquela época viu que eles ficaram profundamente magoados porque ele não resistiu. Eles queriam que o Jango resistisse porque queriam entrar aqui e fazer a divisão do Brasil. Jango não lutou porque ele sentia que a guerra civil seria absolutamente inevitável, com perigos para a soberania brasileira”.
Após o golpe que derrubou Jango, o País viveu |
“Não se constrói um país decente, justo, se não tiver lealdade com a sua memória. Não se constrói um país democrático se a Casa guardiã da democracia não reparar as arbitrariedades e as manchas do passado”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues. A anulação da sessão que tirou Jango da Presidência ocorre no momento em que peritos da Polícia Federal examinam os restos mortais do ex-presidente, na tentativa de descobrir se ele foi ou não assassinado. A suspeita surgiu depois de declarações de um ex-agente da repressão da ditadura uruguaia, segundo o qual Jango teria sido envenenado. A exumação, feita a pedido da família, ocorreu na última quarta-feira (13) e os restos mortais chegaram a Brasília na quinta-feira (14), onde foram recebidos com honras de Estado.
O deputado Protógenes (PCdoB-SP) questionou o papel do Supremo Tribunal Federal na deposição de Jango. “Enquanto o Presidente voava para o Rio Grande do Sul, Auro de Moura Andrade, baseado nos fatos e no Regimento, declarou vaga a Presidência da República e organizou uma cerimônia bizarra, no meio da madrugada, acompanhado” – por quem? – “pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal”, lembrou. “Será que há alguma coincidência? Não vou me referir a quais atos ilegais e inconstitucionais praticados nesta República, e este Congresso Nacional tem o dever constitucional de reparar e de resgatar o respeito ao Brasil, o respeito ao povo brasileiro, o respeito a quem votou
Cyntia Campos
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