Comemorado hoje (20), data da morte de Zumbi dos Palmares, o Dia da Consciência Negra deve servir para que os brasileiros reflitam sobre a desigualdade, a intolerância e o preconceito ainda existentes na sociedade. É o que revela nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ao mostrar, por exemplo, que, em Alagoas, os homicídios reduziram a expectativa de vida de homens negros em quatro anos.
A nota Vidas Perdidas e Racismo no Brasil aponta que, além de Alagoas, estados como o Espírito Santo e a Paraíba concentram o maior número de negros vítimas de homicídio. “Enquanto a simples contagem da taxa de mortos por ações violentas não leva em conta o momento em que se deu a vitimização, a perda de expectativa de vida é tanto maior quanto mais jovem for a vítima”, revela o estudo.
Os autores Daniel Cerqueira e Rodrigo Leandro de Moura, ambos da Fundação Getulio Vargas (FGV), analisaram até que ponto as diferenças nos índices de mortes violentas de negros e não negros estão relacionadas com questões como as diferenças econômicas, ao racismo e de ordem demográfica. “O componente de racismo não pode ser rejeitado para explicar o diferencial de vitimização por homicídios entre homens negros e não negros no País”, concluíram os pesquisadores da FGV.
Considerando o universo dos indivíduos vítimas de morte violenta no País entre 1996 e 2010, o estudo mostra que, para além das características socioeconômicas – escolaridade, gênero, idade e estado civil –, a cor da pele da vítima, quando preta ou parda, aumenta a probabilidade do mesmo ter sofrido homicídio em cerca de oito pontos percentuais.
“O negro é duplamente discriminado no Brasil, por sua situação socioeconômica e por sua cor de pele”, dizem os técnicos. No estudo, eles concluem que essas discriminações combinadas podem explicar a maior prevalência de homicídios de negros quando comparada aos índices do restante da população.
Funcionalismo público não reflete diversidade do povo brasileiro
Dez anos após sua criação, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) manifesta preocupação com os trabalhadores negros em todos os setores, inclusive no serviço público federal. De acordo com a nota técnica do Ipea, “do ponto de vista da demanda por trabalho, o racismo bloqueia o acesso a oportunidades e interdita o crescimento profissional”. Efeitos igualmente maléficos podem ocorrer pelo lado da oferta de trabalho, alerta o instituto.
Mesmo com escolaridade equivalente ao de não negros, a população preta e parda tem rendimentos médios menores. Esse dado é parte do estudo Os Negros no Trabalho, que analisa a relação entre cor e rendimento em seis regiões metropolitanas e no Distrito Federal, a partir de informações do Sistema PED, que foi divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no último dia 19 de novembro.
Com base nessas constatações, a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, volta a defender o projeto de lei apresentado pela presidenta Dilma Rousseff no último dia 5 de novembro, que reserva 20% das vagas em concursos públicos de órgãos do governo federal para negros.
Luiza Bairros lembra que, de acordo com dados divulgados pelo Ministério do Planejamento, o cenário no funcionalismo público é o seguinte: do total de 519.369 servidores públicos civis do Poder Executivo Federal que declararam a cor ou raça no Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape), apenas 30% são negros. “Tal percentual é significativamente inferior à participação deste segmento na população total do País, que é de 50,7%, de acordo com o IBGE”.
“Além disso, há que considerar que o percentual de negros que ingressou no serviço público federal por meio de concurso variou de 22,3%, em 2004, a 29,9% em 2013. Isso significa que ao longo de dez anos, tal variação se mostrou insuficiente para uma redução significativa dos diferenciais de acesso de brancos e negros”, enfatiza. “Portanto, a cota proposta de 20% busca acelerar o ingresso de negros, de modo a assegurar a diversidade na composição racial do quadro de servidores”, afirma a ministra.
Para a técnica de Planejamento e Pesquisa Tatiana Dias Silva, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, “estar ‘ocupado no setor público’, conforme descrevem os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), envolve desde ser auxiliar de serviços gerais até médico ou professor universitário”. E acrescenta: “Bem sabemos que os negros estão na base dessa hierarquia do funcionalismo, não em postos de mando e decisão”, diz.
A data
Fruto de uma intensa articulação do Movimento Negro Brasileiro, o 20 de Novembro é uma referência à reflexão sobre o papel dos negros e negras para construção do País.
A grande celebração do Dia Nacional da Consciência Negra será realizada nesta quarta-feira (20), no Parque Memorial Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, em Alagoas. O Parque, que é uma referência ao Quilombo dos Palmares – o maior, mais duradouro e mais organizado refúgio de escravos das Américas – será palco de atrações que têm como objetivo conscientizar, promover e valorizar as diversas artes e culturas afro-brasileiras.
O banho de cheiro realizado por religiosos de matriz africana inicia as atividades do dia, que contará ainda com cortejo sagrado e a cerimônia de depósito de flores na Lagoa Encantada dos Negros. O rito vivencia as religiosidades afro-brasileiras, ainda vítimas da intolerância religiosa, alimentada pelo ranço do racismo estrutural no País.
“As celebrações reverenciam a memória do líder negro Zumbi dos Palmares, morto pelo escravismo e pelo racismo que continua na vida da população brasileira”, afirma Hilton Cobra, presidente da Fundação Cultural Palmares.
A data não é um feriado nacional. A adesão ao feriado, ou instituição de ponto facultativo, é uma decisão de cada estado ou cidade. Atualmente, mais de 1.000 municípios já decretaram feriado no Dia Nacional da Consciência Negra. Conheça as cidades onde é decretado feriado no dia 20 de novembro em 2013.
Zumbi dos Palmares
Zumbi foi o grande líder do quilombo dos Palmares, herói da resistência anti-escravagista. Pesquisas e estudos indicam que nasceu em 1655, sendo descendente de guerreiros angolanos. Aos sete anos, em 1670, ele foi capturado por soldados e entregue ao padre Antônio Melo, responsável por sua formação. Com o passar do tempo, Zumbi, batizado na Igreja Católica com o nome de Francisco, fugiu para o Quilombo dos Palmares onde impressiona os demais escravos fugidos de fazendas de engenho pela sua habilidade em lutas. Aos 20 anos, ele já tinha se tornado o maior estrategista militar e guerreiro, responsável pela derrota imposta pelos quilombolas na luta contra soldados fiéis ao império português.
Zumbi significa: a força do espírito presente. Baluarte da luta negra contra a escravidão, Zumbi foi o último chefe do Quilombo dos Palmares.
No Quilombo de Palmares plantavam-se frutas, milho, mandioca, feijão, cana, legumes, batatas. Em meados do século 17, calculavam-se cerca de onze povoados. A capital era Macaco, na Serra da Barriga. Palmares constituiu-se como abrigo não só de negros, mas também de brancos pobres, índios e mestiços extorquidos pelo colonizador.
Os quilombos, que na língua banto significam “povoação”, funcionavam como núcleos habitacionais e comerciais, além de local de resistência à escravidão, já que abrigavam escravos fugidos de fazendas.
O Quilombo dos Palmares foi defendido no século 17 durante anos por Zumbi contra as expedições militares que pretendiam trazer os negros fugidos novamente para a escravidão. O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro no Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.
Com informações de agências online
Conheça o estudo “Vidas Perdidas e Racismo no Brasil”