Quase como um mantra, o tema “reforma da Previdência” tem ocupado o espaço principal dos noticiários das emissoras de rádio e TV, blogs e páginas da internet e manchetes dos jornais e revistas brasileiros. Tais veículos reproduzem a opinião dos que detêm o capital no país: a reforma tem que ser aprovada a qualquer custo, e o mais rápido possível. Minha posição é contrária ao que estão chamando de “Nova Previdência”. Considero que, em vez de aperfeiçoar e corrigir as distorções do modelo em vigor, a PEC 06/2019 fere gravemente a Previdência Social brasileira.
Está claro que a reforma não apenas dificultará o acesso à proteção social, mas também afetará a economia dos municípios, sobretudo os menores. Hoje, a economia das pequenas cidades sobrevive basicamente dos benefícios pagos pelo INSS. É esse dinheiro que incentiva o consumo e faz girar o comércio local.
Não duvido que o atual sistema é imperfeito e exige correções. Há privilégios? Sim. Citarei um exemplo. O militar com dez anos de farda que se elege para qualquer cargo público é transferido automaticamente para a reserva remunerada, ao assumir o mandato. É ou não é um privilégio? Pois bem, o capitão Bolsonaro – o mesmo que está propondo reduzir para menos da metade de um salário mínimo o Benefício de Prestação Continuada dos idosos carentes com menos de 70 anos – recebe essa benesse desde os 33 anos de idade, quando se elegeu vereador pelo Rio de Janeiro.
Em vez de avançar diretamente no bolso do trabalhador que recebe menos e obrigar os que ganham um pouco mais a contratar planos de previdência dos bancos, o governo poderia ter ouvido as recomendações da CPI da Previdência, concluída em março de 2018 no Senado. A comissão concluiu que o verdadeiro problema da Previdência é sua gestão. As más administrações, ao longo dos anos, possibilitaram os desvios de recursos, as sonegações, as desvinculações, as fraudes e a corrupção.
Também me incomoda a pressão exercida pelo governo para que a reforma seja aprovada a toque de caixa. A explicação é que, quanto mais rápido conseguirem impor a reforma, menos a população vai tomar conhecimento de quanto os brasileiros estão sendo prejudicados.
Um assunto dessa gravidade não pode ser tratado da forma irresponsável como está sendo, sem o mínimo debate com a sociedade. Uma alternativa à atual proposta teria que ser construída em conjunto e baseada em premissas reais. Não adianta o governo alardear déficits bilionários da Previdência, quando estes números são questionáveis. É necessário desmistificar o tão propalado, em tons catastróficos, rombo da Previdência. Alicerçar uma reforma nesse argumento é rasgar a Constituição Federal.
A Carta Maior do nosso país insere a Previdência no sistema de Seguridade Social, ao lado de áreas como a Saúde e a Assistência Social. A Seguridade Social é estruturalmente tão lucrativa, que o governo subtrai 30% do recurso do sistema para pagar juros da dívida pública, através da DRU (Desvinculação de Receitas da União). Diga-se de passagem, uma dívida que sequer foi auditada.
O que defendemos é acabar com a caixa-preta das receitas da Seguridade e, a partir daí,discutir com a sociedade as correções que o nosso sistema previdenciário necessita, sem atacar os direitos justamente dos que mais necessitam.
Artigo publicado originalmente no jornal O Globo