É enternecedor o carinho de nossa grande imprensa com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Sempre que o entrevistam, é uma conversa amena. Percebe-se a alegria dos jornalistas em estar na sua presença.
O tom é cordial, as perguntas são tranquilas. Tudo flui na camaradaria.
O que não chega a ser surpreendente. FHC é um boa prosa, que sabe agradar os interlocutores. Além de ser uma pessoa respeitável, seja pela trajetória de vida, seja por sua maturidade.
Natural que o tratem com consideração.
Estranho é constatar que a amabilidade com que é recebido não se estende a seu sucessor. A mesma imprensa que o compreende tão bem costuma ser intransigente com Lula. Para não dizer francamente hostil e deselegante.
Quem lê o que ela tem falado a respeito do petista nos últimos dias e o compara ao tratamento que recebe Fernando Henrique deve achar que um deixou a Presidência escorraçado e o outro sob aplauso. Que a população odeia Lula e adora o tucano.
Esta semana, tivemos mais um desses bate-papos. Saiu na Folha de S.Paulo.
FHC discorreu sobre o Brasil e o mundo. Falou do PSDB, de Aécio e Serra. Meditou sobre o julgamento do mensalão com a sabedoria de quem o vê a prudente distância. Opinou sobre Dilma e Lula. Contou de sua vida particular, a família e os amores.
Foi uma longa conversa, sóbria e comedida — embora com toques de emoção.
Mas foi frustrante. Acabou sendo mais uma oportunidade perdida para ouvir FHC sobre algumas questões que permanecem sem resposta a respeito de seu governo.
É pena. Não está na moda “passar o Brasil a limpo”? “Mudar o Brasil?” “Sermos firmes e intransigentes com a verdade?”
Ninguém deseja que Fernando Henrique seja destratado, hostilizado com perguntas aborrecidas e impertinentes ou que o agridam.
Um dia, no entanto, bem que alguém poderia pedir, com toda educação, que falasse.
Que descrevesse o projeto do PSDB permanecer no poder por 20 anos e como seria posto em prática, quais as alianças e como seria azeitado (sem esquecer a distribuição, sem licitação, de quase 400 concessões de TVs educativas a políticos da base).
Que relembrasse os entendimentos de seu operador com o baixo clero da Câmara para aprovar a emenda da reeleição. Quanto usou de argumentos. E o que teve que fazer para que nenhuma CPI sobre o assunto fosse instalada.
Que apontasse os critérios que adotou para indicar integrantes dos tribunais superiores e nomear o procurador-geral da República. Que explicasse como atravessou oito anos de relações com o Judiciário em céu de brigadeiro.
Que refletisse sobre o significado de seus principais assessores econômicos tornarem-se milionários imediatamente após saírem do governo — coisa que, se acontecesse com um petista, seria razão para um terremoto.
Enfim, FHC poderia em muito ajudar os amigos. Esses que fingem ter nascido ontem e se dizem empenhados em “limpar” a política.
Bastaria que resolvesse falar com clareza.
No mínimo, diminuiria a taxa de hipocrisia no debate atual e reduziria o papo furado. O que é sempre bom.
*Artigo publicado no jornal Correio Braziliense