O corte de 90% dos R$ 690 milhões previstos para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) no projeto de lei de créditos suplementares aos ministérios (PLN 16) pode conduzir o país a um “apagão científico”. O alerta foi feito pelo presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, em entrevista ao portal da Deutsche Welle.
“Corremos risco de ver laboratórios fechando. É como ter uma Ferrari e deixar o motor fundir porque não se coloca óleo”, afirmou Janine, para quem as consequências desse corte serão “devastadoras”. Se for mantida a redução feita pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional a pedido do Ministério da Economia, apenas R$ 55,2 milhões serão direcionados para o MCTI.
O risco de fechamento dos laboratórios, diz o cientista, “é algo tenebroso”. “Os laboratórios não se atualizam, os equipamentos não são mais reparados, não se recebem mais pesquisadores, estudantes não são mais enviados ao exterior para conhecer novas tecnologias e novas descobertas científicas”, enumera. “Não consigo entender a lógica disso.”
Segundo o professor titular na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a medida do ministro-banqueiro Paulo Guedes surpreendeu toda a comunidade científica brasileira. “Imagine o projeto estar para ser votado, na hora chega uma carta do ministro que desautoriza tudo o que estava sendo feito, e que muda todas as coisas… Isso não existe. É uma situação inacreditável o que aconteceu”, criticou.
Dos R$ 690 milhões previstos inicialmente no PLN 16, R$ 200 milhões iriam complementar os R$ 250 milhões do orçamento do Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), aberto para todas as áreas do conhecimento. Suspensa em 2018 por falta de recursos, a chamada pública registrou 30 mil pedidos de investimentos até 30 de setembro.
Alguns auxílios, como as bolsas RHAE, que são bolsas de recursos humanos para atender empresas, também tiveram recursos cortados, na faixa de centenas de milhões de reais. “Ficamos praticamente sem financiamento para fazer pesquisa”, lamenta Janine, que foi ministro da Educação entre abril e setembro de 2015, durante o governo Dilma, e assumiu a presidência da SBPC no fim de julho.
Mobilização em Defesa da Ciência
“Temos que fazer uma grande mobilização. Já convocamos para o dia 15 próximo uma jornada”, afirmou Janine. Coincidindo com o Dia do Professor, a Mobilização em Defesa da Ciência vai agregar a inteligência brasileira em um movimento em defesa da CT&I e Educação no país. “Nossa ideia é mostrar para a sociedade brasileira a importância da ciência. Nós estamos querendo mostrar o papel decisivo que a ciência tem para o desenvolvimento econômico e social do país”, anunciou.
Fundada em 1948 e hoje a maior entidade representativa da ciência no país, com 3,5 mil sócios e 165 entidades científicas afiliadas, a SBPC desempenhou um papel importante contra a ditadura militar, em defesa da ciência e das eleições diretas. Hoje, luta contra o negacionismo bolsonarista.
“Se o governo tivesse canalizado recursos para vacina, nós já teríamos uma vacina brasileira. Cuba tem sua própria vacina, e o Brasil tem mais cientistas e PIB (Produto Interno Bruto) que Cuba”, aponta Janine. “Mas, em vez disso, o governo colocou dinheiro na cloroquina. É muito complicado isso.”
“A Alemanha é a atual potência que é devido à ciência. O país conseguiu chegar aonde chegou porque usou muito o resultado de pesquisas científicas”, prosseguiu o presidente da SBPC. “Se o Brasil não for capaz de fazer isso, nós vamos ficar um país atrasado. É uma linha divisória que a industrialização pretendia romper na década de 1960, mas não basta ter indústria, é preciso ter conhecimento científico aprimorado.”