A monstruosa incapacidade de Jair Bolsonaro de demonstrar empatia pelo próximo não conhece limites. Quase 11 meses após o registro do primeiro caso de Covid-19 no país e de dezenas de demonstrações e desrespeito e afronta ao Brasil, cometidas pelo presidente, a face mais cruel de um país destroçado volta a mostrar sua cara: nesta quinta-feira (7), 200 mil brasileiros estão mortos, vítimas, sobretudo, de um profundo sentimento de desprezo pela vida humana. De acordo com o consórcio de veículos de imprensa, o país registra 200.011 mortos e tem 7.921.803 casos da doença. Nas últimas 24h, foram registrados 968 óbitos. O Brasil havia ultrapassado 100 mil óbitos em agosto.
“Bolsonaro bloqueou tudo o que o Brasil tem para dar resposta adequada à pandemia da Covid-19, como já fizemos inclusive em outra epidemias”, acusou o deputado federal e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha. “Ele colocou o País em um projeto da morte, sem testes suficientes, sem apoio às equipes de atenção básica de saúde, bloqueou o [programa] Mais Médicos, e estabeleceu uma guerra, um conflito com os estados e municípios, que ajudam o governo federal a coordenar o SUS”, lamentou.
Enquanto Bolsonaro engrossa sua coleção de frases descoladas da realidade e de caráter negacionista – a última, desta semana, é que “a covid-19 é um vírus potencializado pela mídia” -, a pandemia avança impiedosamente pelo país. As mortes voltaram ao patamar de mais de mil por dia. Após quase um ano de pandemia, o papel de Bolsonaro foi crucial nessa escalada de tragédia e dor para centenas de milhares de famílias brasileiras, mantendo-se intrinsicamente amarrado aos alarmantes índices de contaminação no país.
Desde o início do surto, o governo de Bolsonaro trabalhou sistematicamente para sabotar o combate à pandemia. Seja minimizando o vírus – “Tem que deixar de ser um país de maricas”, “é só uma gripezinha”, “vamos todos morrer um dia”, “e daí”, “está superdimensionado” -, atrasando o repasse de verbas emergenciais a estados e municípios, ou promovendo campanhas antivacina: ”ninguém pode ser obrigado a tomar a vacina”, “se você virar um jacaré, é problema seu”, “pressa para vacina não se justifica”.
Em setembro, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) chegou ao ponto de divulgar uma peça publicitária com a frase de Bolsonaro sobre a não obrigatoriedade da vacina para defender “as liberdades dos brasileiros”.
Bolsonaro também levantou suspeitas infundadas de que leitos de hospitais estariam desocupados e incitou seguidores a cometer um crime: a invasão de UTIs para verificar a suposta farsa. “Arranja uma maneira de entrar e filmar para mostrar se os leitos estão ocupados ou não”, disse, sem se preocupar com o risco de novos contágios de pacientes, médicos e dos próprios apoiadores.
Brasil contrariou projeções
Paralelamente ao desgoverno Bolsonaro – e por causa dele – a expansão do coronavírus, após quedas pontuais de casos e óbitos no segundo semestre de 2020, manteve, afinal, o Brasil em segundo lugar em vítimas fatais no mundo, contrariando, inclusive previsões ligeiramente mais otimistas de especialistas.
Segundo projeções da Universidade de Washington, feitas em meados de outubro, o Brasil chegaria em janeiro com uma média de 175 mil mortes pela doença. Na margem de erro, o número poderia variar para 181 mil óbitos. À época, o país havia acabado de ultrapassar a marca de 150 mil mortos por causa do vírus. Chegou a 200 mil menos de três meses depois.
“Não vejo nada que indique que vamos incrementar as medidas de prevenção, nem por parte dos governantes nem da população”, afirmou ao ‘ Globo’ o epidemiologista e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “Não vejo um cenário com menos mortes. Mais mortes, no entanto, é possível”, previu, no dia 15 de outubro.
Enquanto o quadro sanitário se agrava, sem perspectivas concretas para a chegada de uma vacina, o país continuará a colher os resultados dos excessos de fim de ano, com aglomerações em praias e festas de fim de ano lotadas de jovens. O alto patamar de mortes e casos deverá, portanto, ser mantido pelas próximas semanas, assim como a forte pressão sobre o sistema público de saúde, já em total colapso em algumas capitais, como Manaus.
“A situação crítica dos hospitais de Manaus e Belo Horizonte, bem como taxas de ocupação de UTI acima de 85% em várias capitais e o crescimento acelerado de casos de forma sincronizada em todas regiões do Brasil – algo que não ocorreu na primeira onda – provam que o país precisa de lockdown já”, argumentou o neurocientista e coordenador do Comitê Científico Consórcio do Nordeste, Miguel Nicolelis, pelo Twitter. “Ou não daremos conta de enterrarmos nossos mortos em 2021”, alertou.
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