Em pouco mais de um mês de trabalho, a CPI da Covid já coletou provas e evidências de que o governo Bolsonaro não apenas foi omisso na condução irresponsável da crise sanitária. O próprio Jair Bolsonaro operou diuturnamente pela ampliação da infecção da Covid-19, acreditando que isso permitiria chegar à contaminação de rebanho. Ainda que o preço pago pelo país seja até agora a montanha de 460 mil mortos. “Nós já temos provas suficientes para indiciar Bolsonaro”, aponta o senador Rogério Carvalho (PT-SE), que integra a CPI.
Ele e outros membros da CPI apontam que os documentos enviados pelo próprio governo, assim como os depoimentos colhidos até agora demonstram claramente que o Palácio do Planalto ignorou de maneira suspeita e criminosa as ofertas de vacinas. Mesmo alertado diante do quadro de agravamento da pandemia em diversas ocasiões, ao longo de 2020 e até fevereiro, o presidente da República nada fez para garantir a oferta de vacinas e evitar o aumento de contágios com a adoção de medidas de distanciamento.
Na última quinta-feira, 27, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, revelou que o governo ignorou solenemente a oferta de vacinas da Coronavac, produzidas pelo laboratório brasileiro em conjunto com a farmacêutica chinesa Sinovac, por capricho pessoal do presidente. Ele disse à CPI que a oferta de 100 milhões de doses da vacina contra a Covid não foi fechada em outubro por entraves políticos. O Brasil poderia ter garantido mais 49 milhões de doses até maio se não fossem esses impasses.
“O depoimento de Vossa Senhoria, Dr. Dimas, é demolidor”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE), após a revelação de que o Brasil poderia ter sido o primeiro país a iniciar a vacinação. “O depoimento é a prova mais cabal da omissão, do desinteresse do governo com vacinas”, criticou. “O governo Bolsonaro é responsável pela morte dos brasileiros por Covid”.
Dimas Covas revelou que, em julho do ano passado, o instituto fez a primeira oferta de vacinas ao Ministério da Saúde, sinalizando com 60 milhões de doses para serem entregues ao governo federal. Foi solenemente ignorado. Covas também destacou que o governo Bolsonaro não deu um centavo para auxiliar o instituto na produção de vacinas.
Na sexta-feira, 28, o professor Pedro Hallal da Universidade Federal de Pelotas, coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil, disse que o Brasil teria evitado pelo menos 80.300 mortes até maio se Bolsonaro tivesse fechado em outubro o contrato com o Butantan.
A CPI sabe agora que o Palácio do Planalto atrasou propositadamente a assinatura do contrato com o Butantan por três meses. Por causa disso, o governo acabou impedindo a vacinação de pelo menos 50 milhões de brasileiros ainda no primeiro semestre de 2021 apenas com a CoronaVac. Dimas Covas apresentou os ofícios encaminhados ao governo federal, a partir de julho, com ofertas de vacinas.
“No mínimo 130 milhões de vacinas – 60 milhões do Butantan e outras 70 milhões da Pfizer –, foram tiradas dos braços dos brasileiros, porque Bolsonaro recusou comprar vacinas contra a Covid-19 no ano passado”, desabafou Rogério Carvalho. “Mais cedo ou mais tarde, Bolsonaro vai ter que responder por quais motivos ele não quis comprar vacina para os brasileiros”, diz Humberto.
A revelação deixou parlamentares inquietos e indignados na CPI. “Quantas vidas poderíamos ter salvo se a vacinação tivesse iniciado em dezembro no Brasil? A responsabilidade dessa omissão e do projeto de genocídio do povo brasileiro é do governo federal e tem nome: Bolsonaro”, disse o líder da Minoria, Jean Paul Prates (PT-RN).
O esforço de blindagem do governo não está sendo alcançado porque os depoentes que tentaram proteger Bolsonaro falharam miseravelmente. Depois de Eduardo Pazuello – que foi reconvocado e terá novamente de prestar novo depoimento – outra colaboradora do bolsonarismo até tentou livrar a cara do presidente. Em vão. Na terça-feira, 25, a secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, prestou um depoimento repleto de contradições. Apelidada de Capitã Cloroquina pela imprensa, Mayra confirmou que atuou em defesa do “tratamento precoce” e da tese da “imunidade de rebanho”, deixando a população brasileira exposta ao vírus da Covid-19.
Durante o depoimento, ela ainda desmentiu o ex-ministro Eduardo Pazuello ao apontar que o aplicativo TrateCov não foi hackeado, como havia dito o general à CPI. Sobre uso da cloroquina, apesar de defender a existência de estudos comprovando a eficácia da droga, ela foi desmentida por Otto Alencar (PSD-BA), que é médico. O senador disse que a cloroquina “não é antiviral em estudo sério nenhum do mundo”.
Neste semana, a CPI vai tomar novos depoimentos que prometem desvelar o funcionamento do governo. Além de Pauzello e do ministro Marcelo Queiroga, outros integrantes do chamado “Ministério Paralelo da Saúde”, que teriam sugerido a Bolsonaro adotar as teses da imunidade de rebanho e a defesa de medicamento ineficazes do “kit covid”, como a cloroquina, também serão ouvidos pela comissão. Nesta terça-feira, 1º de junho, a médica Nise Hitomi Yamaguchi vai depor. Ela é defensora do medicamento para a Covid, apesar da ineficácia.
Mas também serão ouvidos especialistas, como Clóvis Arns da Cunha, professor de Infectologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, além da médica Zeliete Zambom, presidente da Sociedade Brasileira Medicina de Família e Comunidade.
A CPI aprovou ainda a convocação do ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub, do assessor para assuntos internacionais da Presidência, Felipe Martins, e do empresário Carlos Wizard. Todos são defensores de medidas polêmicas e são apontados como alguns dos conselheiros de Bolsonaro que resultaram na condução desastrosa da pandemia, que deve piorar nas próximas semanas.
O cenário que se desenha é devastador, de acordo com especialistas, que apontam para uma tempestade perfeita no horizonte: vacinação em baixa, platô alto de infecções e óbitos, sistema de saúde em colapso e a circulação de novas variantes, como a cepa indiana, já detectada em território nacional pela ineficiência do governo em controlar fronteiras. A terceira onda chegou, anuncia o neurocientista Miguel Nicolelis. “Nós já estamos na terceira onda, já temos os indícios”, alerta.