CPI poderá qualificar “epidemia de homicídios” como genocídio

CPI poderá qualificar “epidemia de homicídios” como genocídio

A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que investiga o assassinato de jovens no Brasil poderá caracterizar esses homicídios como genocídio. A reivindicação foi apresentada à CPI por representantes de entidades de defesa dos direitos dos negros e por estudiosos da questão racial que participaram da audiência que, nesta segunda-feira (16), discutiu o racismo institucional, marcando também a passagem da Semana da Consciência Negra.

O relator da CPI, Lindbergh Farias (PT-RJ), solicitou aos ativistas que fornecessem mais subsídios para a caracterização da “epidemia de homicídios” — que atinge, majoritariamente, os jovens negros pobres das periferias — como genocídio, de acordo com a definição jurídica estabelecida internacionalmente.

Ele se comprometeu a trabalhar seu relatório com esse objetivo. “Quando iniciamos esta CPI [em maio deste ano], já tínhamos consciência da gravidade da situação. Mas o que temos constatado, nesses meses de trabalho, é que a realidade é infinitamente mais grave”, afirmou Lindbergh.

Segundo a definição jurídica, genocídio é “o assassinato deliberado de pessoas motivado por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas ou sócio-políticas, com o objetivo final de exterminar todos os indivíduos integrantes de um mesmo grupo humano específico”.

“Em Srebrenica [na Bósnia, em 1995], foram mortos 8 mil muçulmanos e a ONU caracterizou como genocídio. No Brasil, anualmente, são mortos mais de 20 mil jovens negros. Como caracterizar isso?”, questionou Zélia Amador de Deus, representante da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-brasileiros.

“São homens negros, jovens, que ainda não procriaram. Essas mortes terão consequências demográficas drásticas”, lembrou o professor Hélio Santos, presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá.

A audiência desta segunda-feira foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS) e ouviu também a pastora Waldicéia Silva, coordenadora do Coletivo de Mulheres das Organizações Religiosas do Distrito Federal, o historiador Marcos Fábio Rezende Correia, do Coletivo de Entidades Negras na Bahia, o babalawo [sacerdote do culto ioruba] Ivanir dos Santos, representante do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, o gerente de Planejamento e Gestão Participativa da Prefeitura da Cidade do Recife, Jorge Bezerra de Arruda, o frade franciscano David Raimundo dos Santos, fundador do Projeto EDUCAFRO, e a psicóloga Cida Bento, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia.

Sobre o chamado racismo institucional — a discriminação que permeia a estrutura do Estado, instituições públicas e privadas, os expositores apresentaram severas críticas ao sistema educacional que contribui para a invisibilidade do negro. Eles cobraram medidas mais efetivas para fazer valer a legislação que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileiras no ensino fundamental e médio.

“A lei existe, mas falta o cumpra-se”, afirmou Cida Bento, citando o exemplo bem sucedido da Lei Maria da Penha, contra a violência doméstica, incorporada à realidade e à cultura da sociedade com ajuda da vontade política dos gestores públicos.

“A violência contra a juventude negra é estrutural, com raízes na escravidão e a sociedade tolera porque não vê o negro como sujeito de direitos”, afirmou Zélia Amador.

Autos de resistência
Os participantes da audiência reafirmaram a urgência da extinção dos chamados “autos de resistência”, caracterização das mortes decorrentes da ação policial, que, sob a justificativa de “reação das vítimas”, classifica essas ocorrências como resultado de “legítima defesa”.

 

Os ativistas lembraram que são recorrentes os casos de manipulação de cenas de crime, como a inserção de armas e drogas, para caracterizar a “resistência” das vítimas à ação da polícia. Frei David, da Educafro, informou à CPI que o Conselho Nacional do Ministério Público já estabeleceu, desde setembro, uma resolução definindo as regras mínimas de atuação do MP no controle externo da investigação de morte decorrente de intervenção policial.

Cyntia Campos

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