A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga a organização criminosa de Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlos Cachoeira, completa dois meses e meio de trabalho nesta semana. Com o endosso de 330 deputados e 67 senadores, nasceu com o objetivo de investigar as relações da organização criminosa com agentes públicos e privados. Mas, ao contrário de todas as outras Comissões Parlamentares de Inquérito, partiu de investigações possíveis já realizadas por pelo menos três ações da Policia Federal – as operações Vegas, Monte Carlo e Saint Michel, sendo as duas primeiras voltadas para a ação da quadrilha em Goiás e a última no Distrito Federal.
Foi instalada, no dia 19 de abril, ainda sob o calor das denúncias quase diárias que evidenciavam a colaboração do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) em diversas ações da quadrilha e, particularmente, nos negócios do governo do estado de Goiás. Desde então, a CPMI já votou 362 requerimentos para convocação de depoentes e, principalmente, para obter acesso a documentos e inquéritos. Outros 270 requerimentos aguardam na fila para serem apreciados. As investigações, que, segundo o plano de trabalho, devem se encerrar no dia 4 de novembro, podem ser prorrogadas, dado o volume de informações e o número de pessoas flagradas ou citadas em conversas telefônicas e que devem ser chamadas a prestar esclarecimentos.
Por enquanto, 25 pessoas foram chamadas a comparecer e estiveram na sala da Comissão de Direitos Humanos (CDH), onde a CPMI se reúne, em sessões normalmente longas e com o plenário sempre lotado. Do total de depoentes, 16 recorreram a liminares e a habeas corpus para não falar – o que não afasta a possibilidade de elas serem novamente chamadas para depor.
Para esta semana, espera-se que os quatro convidados falem, mas o ponto alto da tensão dos trabalhos está previsto para acontecer na quinta-feira, quando, em dia de sessão administrativa, poderão ser votados os requerimentos para as oitivas do empresário Fernando Cavendish, dono da construtora Delta, e do ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antônio Pagot.
Personagem conhecido
Cachoeira é um personagem habitual e conhecido do submundo da política há pelo menos oito anos, quando participou pessoalmente de um vídeo gravado às escondidas – uma de suas práticas mais comuns – no qual negociava com Waldomiro Diniz, então diretor da Loterj (Loteria do Rio de Janeiro), no governo de Anthony Garotinho. Essa filmagem deu origem, no Congresso, à CPI dos Bingos. Deve-se também a Cachoeira a contratação dos espiões que gravaram o então funcionário dos Correios, Maurício Marinho, recebendo uma propina de R$ 3.500,00.
Gravar seus atos de cooptação e corrupção era prática comum e habitual na organização de Cachoeira. Por meio delas, chantageava ou achacava as vítimas ou cúmplices que haviam sido corrompidas.
A carreira criminosa de Cachoeira foi interrompida no dia 29 de fevereiro deste ano, com a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, que o deteve ainda na luxuosa casa de um dos condomínios mais caros de Goiânia que tivera o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) como proprietário anterior. Várias versões para a venda da casa foram dadas por Perillo, seus assessores e agentes da organização – nenhuma delas convincente.
Demóstenes, o elo no Congresso
Logo após a prisão, a mídia impressa e televisiva passou a divulgar telefonemas entre Cachoeira e seus comparsas e diversos representantes poder público – particularmente entre Cachoeira e o senador Demóstenes Torres, até então uma espécie de paladino da moralidade, implacável com a corrupção e defensor das medidas mais duras contra a corrupção. O senador goiano, uma semana depois das primeiras denúncias, subiu à tribuna do Senado para desmentir as evidências e confessar-se vítima da mídia. Até então, sabia-se apenas Demóstenes recebera de Cachoeira, como presente de casamento, uma cozinha (fogão, geladeira etc.) importada, no valor estimado de R$ 27 mil.
Mas a máscara caiu de uma vez com as novas revelações, entre elas a de que ele recebera um aparelho Nextel de Cachoeira, que seria inexpugnável a grampos e escutas – uma proteção que, na verdade, jamais existiu, servindo principalmente para que o senador e o contraventor conversassem livremente sobre os malfeitos que patrocinavam. Demóstenes e Cachoeira trocaram nada menos que 416 telefonemas. Atônita, a direção do DEM expulsou o senador que, desde então, tornou-se um zumbi no Senado.
Cachoeira se recusa a depor
Numa de suas primeiras reuniões administrativas, a CPMI aprovou a convocação de 51 pessoas. Depois de conseguir adiar seu depoimento, Cachoeira foi o primeiro convocado da direção da quadrilha prestar esclarecimentos à CPMI. O contraventor, que estava preso, foi trazido ao Senado com grande alarde, no dia 22 de maio. As expectativas se frustraram. Nas duas horas e meia em que foi cruzado por perguntas dos deputados e senadores, limitou-se a dizer que não falaria, por orientação de seus advogados, agarrando-se ao principio legal de não ser obrigado a criar provas contra si. Por quase duas horas e meia, abriu a boca apenas lembrar a Constituição.
O exemplo deixado pela equipe de governadores de Cachoeira serviu de exemplo para outros depoentes. Os também convocados ex-vereador Wladimir Garcez, o araponga Idalberto Martins – o Dadá – e o ex-policial militar Jairo Martins (que seria informante da quadrilha) também se mantiveram em silêncio na sessão de 24 de maio.
A sucessão de não-depoimentos provocou interpretações desanimadoras quanto aos resultados da CPMI, mas o cenário foi modificado com a vinda dos governadores de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) e do Distrito Federal, Agnelo Queiroz. No depoimento de Perillo, o que se destacou foram a recusa do governador em abrir mão de seus sigilos bancários, fiscal e telefônico e o acréscimo de mais uma versão sobre a ainda nebulosa compra de sua antiga casa por Carlos Cachoeira. No dia seguinte, na oitiva de Agnelo Queiroz, a expectativa se reacendeu. Mas sem o resultado pela oposição. O governador do DF deu explicação e resposta a todas as dúvidas e, mais do que isso, autorizou a quebra de seus sigilos. Ato contínuo, os parlamentares da oposição deram notícia de que Perillo também tomara a mesma decisão.
Um divisor de águas
Nenhuma das oitivas, porém, foi tão significativa como a do ex-chefe de gabinete de Agnelo Queiroz, Cláudio Monteiro, no último dia 28/06. Considerada um “divisor de águas” pelo senador Jorge Viana (PT-AC), Monteiro também contava com um habeas corpus para proteger-se no silêncio, mas contrariou seus advogados e decidiu falar. Respondendo a todas as perguntas que lhe foram feitas, conseguiu provar que, ao contrário das ilações veiculadas na mídia, ele foi vítima e não cúmplice da quadrilha de Cachoeira. Quase dez horas depois de perguntas, parlamentares da oposição pediram a palavra para elogiar seu comportamento.
Na avaliação do relator da CPMI, Odair Cunha (PT-MG), o depoimento serviu para mostrar que nenhuma incursão do grupo de Carlinhos Cachoeira no governo do Distrito Federal obteve os resultados que o grupo pretendia.
Cunha disse ainda que o depoimento de Monteiro não deixava dúvidas sobre a suspeita que até então pairava sobre ele e o governo de Agnelo Queiroz: o contrato para coleta de lixo de Brasília, feito pela Delta desde o governo anterior e mantido por decisão judicial. Em outro caso, o da bilhetagem eletrônica no transporte coletivo do DF, Monteiro esclareceu que, ao contrário de abrir caminho para os corruptores, na verdade foi evitada a fraude na licitação pretendida pela quadrilha.
Mudança de rito
Uma das grandes discussões entre os parlamentares que integram a CPMI e que deve ser resolvida na sessão administrativa desta quinta-feira (05/07) tem relação com o procedimento a ser tomado em casos em que o depoente se recusa a falar. Alguns parlamentares defendem a tese de que o silêncio não deve significar a imediata dispensa das testemunhas, como tem ocorrido até agora.
Esse grupo acredita que as perguntas elaboradas pelos deputados e senadores devem ser todas feitas, independentemente de a testemunha ter habeas corpus ou qualquer outra decisão judicial ou orientação que lhe permita ficar em silêncio.
Se a tese prevalecer, é certo que os trabalhos se estenderão ainda mais e o prazo de 4 de novembro para o encerramento dos trabalhos terá pouca chance se ser cumprido.
Giselle Chassot, com informações de agências onlines
Veja o resumo com as informações sobre os depoentes já chamados à CPMI