Ataque ao patrimônio público

Crime de lesa-pátria: Governo acelera entrega dos Correios

Ministro das Comunicações apresenta a Bolsonaro o projeto de privatização da ECT. Plano é acelerar a entrega da empresa até o fim de 2021. No Congresso, deputados da oposição tentam tornar crime o leilão de empresas estatais sem autorização do Parlamento. Quem desobedecer, poderá ser preso
Crime de lesa-pátria: Governo acelera entrega dos Correios

Foto: Roberto Parizotti

Depois de reunião com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, confirmou nesta quarta (14) o encaminhamento do projeto de lei que abre caminho para privatização dos Correios. Com pressa, o governo quer entregar a empresa até o fim de 2021.

“A consultoria Accenture, contratada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em 120 dias entrega relatório sobre regras e parâmetros. O projeto chega no Congresso no começo de 2021, e até o final do ano que vem a ideia é votarmos e que os Correios estejam prontos para o processo de privatização”, disse Farias. Em agosto de 2019, Bolsonaro afirmou que os Correios estavam no topo da lista de privatizações.

O documento foi finalizado e assinado pelo ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, e em breve deve ser enviado ao Congresso para votação. A mudança de modalidade de gestão já deve começar a ser negociada no ano que vem. Guedes quer promover o leilão ainda em 2021, para acelerar na agenda de desestatizações.

“Entregamos (o texto) para o SAJ (secretário de assuntos jurídicos), Jorge Oliveira, o PL dos Correios. Depois do SAJ, o projeto segue para Casa Civil e depois para o Congresso. O que cabia ao Ministério das Comunicações, foi feito”, disse Faria.  Ele não apresentou à imprensa detalhes da proposta. O texto permanece em reserva, sem acesso liberado. Faria afirmou que a proposta trata “mais sobre princípios do que regras”.

O Ministério das Comunicações informou que o projeto revê a criação de uma nova agência, a Anacom (Agência Nacional de Comunicações), para substituir a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Além dos serviços de telecomunicações (telefonia, internet, tevê por assinatura), hoje sob a responsabilidade da Anatel, a nova agência regularia também a prestação de serviços postais no país.

Ainda de acordo com a pasta, o projeto prevê “a obrigatoriedade, por parte da União, de garantia da prestação do Serviço Postal Universal por meio de empresa estatal”, mas “permite que os serviços prestados no âmbito do Sistema Nacional de Serviços Postais sejam explorados em regime privado.” A nota do ministério informa ainda que “o serviço postal” vai ser “delegado ao Operador Postal Designado no decorrer do processo de privatização dos Correios.”

Especialistas da área avaliam que o grande desafio para a privatização dos Correios será definir um modelo de venda que combine atrair empresas privadas e a manutenção da capilaridade de atendimento, sendo que já é consenso que a malha estatal é um aspecto para a derrubada de rentabilidade de operações.

Mas o presidente dos Correios, general Floriano Peixoto, afirmou no mês passado que a privatização da estatal “já está em andamento”. Também em setembro, o ministro das Comunicações citou que, no mínimo, cinco empresas podem estar interessadas em assumir a companhia nacional. A especulação sobre a venda para o Alibaba – grupo que controla o AliExpress – e ao Mercado Livre também ronda a privatização.

Cadeia para privatização sem consulta ao Congresso
Na contrapartida da aceleração da agenda, tramitam no Congresso Nacional propostas legislativas que cancelam a privatização. Um deles é o Projeto de Lei 4269/2020, que torna crime contra o patrimônio público a privatização de estatais sem discussão e autorização legislativa. O projeto, de autoria dos deputados federais Erika Kokay (PT-DF) e Frei Anastacio Ribeiro (PT-PB), prevê prisão para quem privatizar empresas estatais sem autorização do Congresso Nacional.

Em outra frente, o deputado federal, André Figueiredo (PDT-CE), ministro das Comunicações em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff, apresentou quatro Projetos de Decreto Legislativo (PDL) para anular a validade das medidas que podem levar à venda da ECT.

O PDL 422/2020 susta o contrato entre o BNDES e o Consórcio Postar, destinado a estudos sobre parcerias com a iniciativa privada para gestão do serviço postal. O PDL 424/2020 propõe o cancelamento da resolução do Conselho do Programa de Parcerias de Investimento que libera a contratação de estudos sobre a privatização dos Correios. O PDL 425/2020 interrompe o decreto que inclui a empresa postal na lista das estatais que podem ser privatizadas.

No último projeto, Figueiredo pede o cancelamento do decreto que detalha o processo de privatização das estatais. O deputado argumenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2009 que serviço postal é de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, via empresa 100% pública – a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

Com a decisão, cartas pessoais e comerciais, cartões-postais e correspondências agrupadas (malotes) só podem ser transportados e entregues pela estatal, Correios. No mesmo julgamento, o STF entendeu que as transportadoras privadas podem entregar outros tipos de correspondências e encomendas.

“Antes de se tratar de um mero exercício de liberdade de conformação pelo legislador ordinário, a revogação do dispositivo é medida que se impõe por sua flagrante inconstitucionalidade ”, disse Figueiredo.

A reserva de mercado garantida por lei é do serviço de entrega de cartas, responsável por 34,6% do faturamento bruto dos Correios (Franqueamento Autorizado de Cartas — FAC e Carta), segundo dados publicados no Diário Oficial em junho e relativos a 2019. Isso representa um valor de R$ 6,6 bilhões no ano passado — de um total de R$ 19,1 bilhões.

O modelo é utilizado por diversas empresas que enviam documentos e boletos para pagamento. O último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que um em cada quatro brasileiros ainda não tem acesso à internet e, portanto, não dispõe de ferramentas para realizar pagamentos on-line. Já as entregas de encomendas, sem reserva de mercado, são o carro-chefe da companhia.

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