A presença cada vez mais constante da internet na vida das pessoas está transformando as mídias tecnológicas em verdadeiras extensões da vida, onde se encontram informações de trabalho, além informações e imagens pessoais. Dosar o estímulo à liberdade da informação e a preservação de direitos pessoais é a chave para definir as punições relativas aos crimes cometidos pela web. Esta problemática, para o senador Jorge Viana (PT-AC), precisa ser solucionada dentro da reforma do Código Penal Brasileiro. “A equação a ser resolvida está em como estimular o uso dessa ferramenta nova [a internet] para garantir mais liberdade e acesso à informação, e salvaguardar os direitos individuais. Esse é um negócio complexo”, avaliou.
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Um dos caminhos viáveis para este impasse foi apontado pela procuradora federal Melissa Blagitz de Abreu, durante a discussão do projeto de reforma da legislação penal (PLS 236/2012) nesta terça-feira (16). Segundo ela, o ideal é adotar dispositivos semelhantes aos usados internacionalmente. “Crime cibernético não é uma infração local; ele se espalha por fronteiras”, justificou.
Atualmente, os países da Europa, Estados Unidos e Austrália seguem a Convenção de Budapeste – tratado que define tipos, condutas e penas para crimes praticados por meio da internet. O PLS 236, conforme reconheceu Melissa, conta com algumas definições inspiradas na Convenção, mas ainda assim a necessidade de ajustes foi ponto convergente nas falas de todos os palestrantes. Na opinião do professor da Universidade de Minas Gerais (UFMG), Tulio Vianna, e do delegado da Polícia Federal, Carlos Miguel Sobral, um dos cuidados mais básicos é não engessar a aplicação do Código com o excesso de detalhamento de um sistema extremamente dinâmico. “Se definir muito, amanhã a lei não se aplica mais. Deixa a jurisprudência [decisões em tribunais] definir os tipos”, sugeriu Tulio.
Utilidade pública
Com 15 anos de uso intenso da internet, o membro da Organização Não Governamental (ONG) Transparência Hacker, Pedro Markun – que se autointitula como “um quase viciado” –, conclamou os senadores pela revisão da legislação penal orientada pelo “direito de uso do cidadão” e não de acordo com o “interesse de delegados e advogados”. Pedro ressaltou que o projeto erra ao prever o aprisionamento de “invasões de utilidade pública”. O hacker citou, por exemplo, que, quando o Blog do Planalto foi lançado, ele criou um blog que se sobrepunha ao do Governo para que houvesse um espaço de interação com a sociedade.
Pedro Markun também foi responsável por motivar a aprovação da Lei da Transparência, após desenvolver um software que disponibilizou dados sobre os gastos da Câmara dos Deputados, antes da regulamentação da abertura das contas públicas do País. Um papel de utilidade pública semelhante é realizado pelo Wikileaks – site que divulga documentos, fotos e informações confidenciais, de fontes anônimas, sobre assuntos sensíveis de governos ou empresas. “O retorno do Wikileaks para a sociedade é muito superior ao dano ou código infringido”, comentou o hacker.
Outras polêmicas
A punição a ser aplicada para quem invade as mídias tecnológicas e não subtrai informações é um ponto sensível. Para a procuradora Melissa Blagitz de Abreu, independente da finalidade, deve ser penalizada. “Essa conduta é muito semelhante à invasão de um domicilio”, afirmou.
Melissa ainda destacou que o Código precisa incorporar a venda das informações e dados de acesso obtidos de forma ilegal dentre as condutas passíveis de punição. Algo que foi negligenciado pela legislação popularizado como “Lei Carolina Dieckmann” – em referência à atriz global, que teve fotos íntimas publicadas após seu computador pessoal ter sido invadido –, recentemente sancionada.
Já o professor Tulio Viana demonstrou preocupação com o tratamento dado a questões relacionadas ao direito autoral. De acordo com o professor, a atual redação do PLS 236 inibi a criatividade. “A criação é feita a partir do que existe”, afirmou. Ele ponderou que as sátiras de Hitler que circulam pela internet, editadas a partir de imagens do filme A Queda, estariam proibidas, por exemplo. Além disso, Tulio questionou que a “proteção do uso indevido marca”, conforme o projeto, não seria uma forma de censura. “Como vou criticar um jornal ou empresa sem me referir a ela”, questionou.
Catharine Rocha
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