Um comparativo que antes era difícil de fazer, o Brasil inclusivo e justo, semelhante à Cuba dos direitos sociais e o de agora, que se reduz no interesse particular de um grupo instalado no Poder. Essa é a síntese de mais um artigo de Marcelo Zero, publicado no site Brasil 247.
27 de Novembro de 2016
Pouco antes da revolução cubana, Arthur M. Schlesinger, Jr., historiador, ganhador do Prêmio Pulitzer, foi encarregado pelo presidente Kennedy de fazer uma análise da situação na ilha.
Disse ele sobre Havana: “Me horrorizou a maneira como esta adorável cidade tinha se transformado desgraçadamente em um grande cassino e prostíbulo para os homens de negócios norte-americanos. Meus compatriotas caminhavam pelas ruas, se deitavam com garotas cubanas de 14 anos e jogavam fora moedas só pelo prazer de ver os homens chafurdando na sarjeta para recolhê-las”.
A conclusão da análise dizia simplesmente o seguinte: “A corrupção do governo, a brutalidade da polícia, a indiferença em relação às demandas da população por educação, saúde, habitação e por justiça social e econômica constituem-se num convite aberto à revolução”.
Obviamente, Schlesinger estava corretíssimo. Totalmente equivocados estavam os que descreviam a Cuba de Batista como um paraíso na Terra, como faz até hoje a propaganda anticastrista.
Schlesinger não estava só. O próprio presidente John F. Kennedy, que foi crítico a Batista em seu final, declarou, em tom de autocrítica, que: “Penso que não existe um país no mundo, incluindo os países sob domínio colonial, onde a colonização econômica, a humilhação e a exploração foram piores que as que aconteceram em Cuba, devido à política do meu país, durante o regime de Batista”.
No campo político, Fulgencio foi um ditador sanguinário. Quem diz isso não são os comunistas ou os “bolivarianos”. Foi John Kennedy que afirmou que: “Nosso fracasso mais desastroso foi a decisão de dar status e apoio a uma das mais sangrentas e repressivas ditaduras na longa história da repressão latino-americana. Fulgencio Batista assassinou 20 mil cubanos em 7 anos – uma proporção maior da população cubana que a proporção de norte-americanos que morreram nas duas guerras mundiais – e transformou Cuba em um Estado policial total”.
Na época, Cuba tinha apenas cerca de 6 milhões de habitantes. Esse número de mortos equivaleria, no Brasil de hoje, a 700 mil pessoas. Ou seja, se fosse no Brasil atual, Batista teria assassinado 100 mil pessoas por ano.
A tortura era generalizada e a repressão era brutal. Os opositores ao regime eram sistematicamente assassinados e a imprensa estava totalmente censurada. Juízes eram intimidados e até mesmo médicos cubanos foram assassinados pelo regime simplesmente porque trataram de rebeldes feridos.
No campo econômico, Batista transformou um país relativamente próspero para os padrões latino-americanos da época numa economia dependente e em ruínas.
Segundo Salim Lamrani, Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris, durante dois terços do reinado de Batista não houve crescimento. A dívida da nação passou de 300 milhões de dólares, em março de 1952, para 1,3 bilhão, em janeiro de 1959. O déficit orçamentário alcançou os 800 milhões de dólares. Além disso, as reservas monetárias caíram de 448 milhões de pesos, em 1952, para 373 milhões, em 1958. Essas reservas, frise-se, foram roubadas por Batista e seus comparsas na fuga para Miami.
A renda açucareira, base da economia de Cuba, passou de 623 milhões de pesos em 1952, para 426,1 milhões em 1956 e 520,7 milhões em 1958. Assim, a renda per capita em Cuba, em 1958, vésperas da revolução, era mais ou menos semelhante à de 1947. Foi como se uma PEC 241/55 tivesse passado por lá.
O desemprego atingia 35% da população ativa e cerca de 62% dos trabalhadores recebiam um salário inferior às suas necessidades mínimas de subsistência. Somente 4% dos camponeses comiam carne e cerca da metade nunca tinha frequentado uma escola.
Dessa forma, o regime Batista transformou um país modesto, mas em construção, num cassino dependente de “investimentos” da Máfia americana.
Fidel fez o contrário: transformou um cassino da máfia de Miami num país. Pequeno, mas soberano. Pobre, mas justo. Um país digno. O país com os melhores indicadores sociais da América Latina. Mesmo com os grandes erros e as enormes dificuldades, em Cuba não há criança sem escola ou que durma nas ruas. Gostem ou não, é uma façanha política.
Com efeito, após mais de meio século de tentativa de invasões, de um bloqueio comercial cruel e ilegal, de uma campanha sistemática de mentiras, Cuba tem indicadores sociais extraordinários, para seu nível de desenvolvimento econômico.
Conforme a UNESCO, Cuba tem a mais baixa taxa de analfabetismo e a mais alta taxa de escolarização da América Latina. Além disso, Cuba é a nação do mundo que usa a maior parte de seu orçamento em educação, cerca de 13% do PIB. De acordo com a OMS, Cuba tem uma taxa de mortalidade infantil de 4,6 nascidos por mil, a mais baixa do continente americano. Mais baixa que o do Canadá e que a dos EUA. E, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Cuba é o único país da América Latina e do “Terceiro Mundo” que se está entre as dez nações do mundo com os melhores Índices de Desenvolvimento Humano, levando em conta somente os indicadores sociais.
Dirão, é claro, que Cuba ainda é um país pobre, que enfrenta grandes dificuldades econômicas. É verdade. Mas isso só aumenta seu mérito. Lá, tomou-se a decisão de se construir um país soberano e para todos. Um país que vai gastar o pouco que tiver no bem-estar de sua população. Um país que não se verga e não se vende.
Pois bem, o Brasil do governo ilegítimo de Temer está seguindo o rumo oposto ao de Fidel e mesmo de países socialdemocratas que investiram no bem-estar de seus povos, e trilhando o caminho desastroso dos “batistas”, que investem na desigualdade e na alienação de seus países.
O Brasil passou, nos últimos 13 anos, por um processo bem-sucedido de combate à pobreza e de distribuição de renda e de oportunidades. Retiramos cerca de 30 milhões de pessoas da pobreza extrema e colocamos 42 milhões de brasileiras e brasileiros na classe média. Tiramos o Brasil do Mapa da Fome. Aumentamos muito o acesso à educação técnica e superior e aos serviços de saúde. Pela primeira vez, os pobres entraram realmente no orçamento.
Agora, o governo golpista quer percorrer o caminho inverso. Com a PEC 241/55, a reforma da previdência, a reforma trabalhista, a extinção da política de aumento do salário mínimo e outras medidas, o governo ilegítimo pretende acabar com todo o legado social da CLT, da Constituição Cidadã e das políticas dos governos progressistas recentes, com o intuito de reduzir os custos trabalhistas, previdenciários e sociais do Brasil.
Querem um Brasil bem baratinho para “atrair investimentos estrangeiros”. Um Brasil à venda por preços de liquidação. Querem tirar os pobres do orçamento, de modo a que sobre dinheiro para o pagamento das maiores taxas de juros do mundo. Querem que eles voltem à Senzala. Querem vender tudo o que for possível, inclusive o pré-sal, nosso passaporte para o futuro. Querem privatizar serviços públicos essenciais, até mesmo saúde e educação. Querem transformar o Brasil num grande balcão de negócios. Querem um país pequeno, periférico, injusto e indigno.
Mas Temer, um títere irrelevante, só está renovando uma tradição histórica brasileira.
“Transformam o país inteiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”. Era o que cantava o poeta Cazuza, em “O Tempo Não Pára”. Claro está que não se tratava de uma crítica pejorativa e machista à prostituição. A expressão é metafórica, uma referência clara a como as elites econômicas e políticas do Brasil tradicionalmente corrompem e alienam o país em benefício próprio.
Obviamente, o governo golpista não vai transformar o Brasil num país dependente de investimentos dos cassinos da Máfia norte-americana, como foi a Cuba de Batista. É muito pior do que isso. O governo ilegítimo vai pendurar a economia brasileira e o futuro de seu povo no grande cassino internacional das finanças desreguladas, sem pátria e sem ética, que esfola países e populações. O Brasil não será dependente de algum mafioso americano, o Brasil será dependente de Mamon, o deus hebraico do dinheiro e da cobiça, infinitamente mais poderoso e mais cruel, porque impessoal, que qualquer mafioso.
Enquanto o mundo inteiro começa a questionar e a fugir da globalização neoliberal, até mesmo o ultraconservador Trump, o Brasil faz o caminho inverso, emulando a cegueira estratégica e a truculência social de um Batista.
Se tiver êxito, o governo golpista transformará o Brasil numa gigantesca Cuba do regime Batista. Ao final do período da PEC 241/55, os idosos morrerão antes de aposentar e os pobres terão baixo acesso à educação e à saúde. O salário mínimo estará, com certeza, em menos de 100 dólares. A desigualdade terá aumentado exponencialmente. Poucos comerão carne, quando conseguirem comer. Num dos maiores produtores agrícolas do mundo, muitos voltarão a passar fome. O petróleo e tudo mais não serão mais nossos. O Brasil não será mais nosso. Os núcleos estratégicos da nossa economia já estarão alienados à banca internacional. O Brasil será, de novo, aquele país desigual e dependente de sempre, sem controle sobre seus destinos.
Em compensação, o Brasil será um paraíso para os negócios. Qualquer negócio.
Homens de negócios estrangeiros também percorrerão as ruas do Rio de Janeiro, dormindo com meninas de 14 anos e divertindo-se atirando moedas para ver brasileiros chafurdando nas sarjetas. Sócios do regime habitarão luxuosos espigões, indiferentes ao patrimônio histórico e aos milhões sem patrimônio algum.
E, ao contrário da Cuba de hoje, nesse Brasil do futuro milhões de crianças brasileiras dormirão nas ruas.
* Marcelo Zero é assessor da Liderença do PT no Senado