A desconfiança da comunidade nacional e internacional com o governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente ficou ainda mais evidente às vésperas da Cúpula de Líderes sobre o Clima, que acontece nestas quinta (22) e sexta (23). Iniciativa do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a conferência internacional reúne 40 chefes de Estado, inclusive Bolsonaro.
Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, Jaques Wagner (PT-BA), o Brasil tem “amplo potencial como nação de liderar essa agenda no mundo”. Ele ressalta, no entanto, que “só com a retomada da força do IBAMA e do ICMbio poderemos pensar na construção de um país que preserva seus recursos naturais e caminha para uma Geração Ecológica, de proteção à natureza e com bem-estar e renda para seus cidadãos”.
Jaques disse estar articulando junto ao setor privado, movimentos sociais, ONGs, institutos e academia a elaboração de um plano estratégico que possibilite a criação da Geração Ecológica, capaz de gerar emprego e renda e, ao mesmo tempo, proteger a Amazônia.
“É imperativo que todos os setores da sociedade estabeleçam um plano abrangente que vise a proteção da natureza e o bem-estar da população. Por meio de investimentos na bioeconomia e na transição energética, podemos criar cidades sustentáveis e colocar o país na fronteira do conhecimento”, afirmou.
Para o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), é urgente uma mudança radical na gestão do meio ambiente pelo poder central, que já está gerando consequências econômicas graves.
“O governo Bolsonaro sempre atuou de forma negligente sobre a questão ambiental. Isso já está gerando problemas graves nas nossas relações comerciais. Não adianta buscar saídas que não passem pelo óbvio, ou seja, cobrar da gestão federal uma atuação firme contra a destruição das nossas florestas”, aponta.
Para ele, “não existe meio termo: ou se muda radicalmente a atuação governamental ou continuaremos sendo párias para o resto do mundo”.
Segue na mesma linha artigo do ex-presidente Lula e da presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, publicado na Folha de S.Paulo desta quinta (22), em que lamentam a inversão de valores do atual governo brasileiro, migrando da posição de protagonista mundial para hoje ocupar a de pária do debate climático.
“Está viva na memória a Conferência de Copenhague, em 2009, onde apresentamos metas voluntárias, ambiciosas e factíveis de redução da emissão de gases. Estão registrados os avanços que realizamos na preservação da Amazônia. Infelizmente é bem diferente a situação em que nosso país se encontra hoje”, escrevem.
Lula e Gleisi citam o escandaloso recorde de 216% de aumento no desmatamento registrado em março pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia, em relação a março de 2020. “É o resultado de uma política de destruição que envergonha os brasileiros e ameaça o planeta; um legado trágico que haveremos de superar pela via da democracia”, preveem.
Nas redes sociais, o destaque nos últimos dias foi #ForaSalles, mobilização pela demissão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apontado como inimigo da floresta.
“O governo da boiada passando na Amazônia chega à cúpula mundial do clima muito mal na foto. Com Bolsonaro, o Brasil se tornou, também, pária ambiental”, escreveu o senador Humberto Costa (PT-PE). “O Brasil é o único país em que o ministro do Meio Ambiente defende o desmatamento”, completou, ao comentar bate-boca no Twitter entre o ministro e a cantora Anitta, que o acusou de ser um “desserviço ao meio ambiente”.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), Salles é o ministro dos crimes ambientais. “Ricardo Salles não é o ministro do Meio Ambiente, ele é o ministro dos crimes ambientais, do desmatamento, das queimadas, dos assassinatos de animais silvestres. Quem é patriota e ama esse país de verdade fala #ForaSalles”, afirmou.
Já o senador Paulo Paim (PT-RS) cobrou do governo postura assertiva na Cúpula do Clima. “Espero que o Brasil se comprometa com as questões climáticas e no combate ao desmatamento. Os satélites denunciam a destruição da Amazônia. O governo é conivente e omisso. Basta!! É preciso vontade política, ação, fiscalização”, escreveu.
A mobilização reuniu ainda várias outras personalidades e entidades do Brasil e do mundo. O pano de fundo é o interesse repentino no governo em recursos internacionais para a preservação da floresta, que podem chegar a US$ 20 bilhões, como já sugeriu Joe Biden.
A comunidade internacional, no entanto, tem recebido com ceticismo a aparente mudança de postura de Bolsonaro e a reafirmação de metas de redução de emissão de carbono com combate ao desmatamento.
Um vídeo divulgado pelo grupo Rede dos Estados Unidos pela Democracia no Brasil, reproduzido por Paulo Rocha, acusa Salles e Bolsonaro de inimigos e pede para que o governo Joe Biden e congressistas do país não acreditem no governo brasileiro.
Em carta enviada a Biden, governadores e prefeitos brasileiros sugerem que as negociações pela preservação da Amazônia sejam feitas diretamente com os governos estaduais e prefeituras, diante do descaso do governo federal com o tema.
Além disso, perto de 100 pesquisadores e especialistas do meio ambiente divulgaram manifesto em que denunciam a paralisação de fiscalizações e sanções ambientais, graças a uma portaria ministerial de abril, o mais recente documento para colocar em prática a intenção declarada do ministro de “passar a boiada” na floresta.